Francisco Loebens - CIMI Norte I
A decisão do STF suspendendo a retirada dos invasores dessa terra indígena, até o julgamento do mérito de uma Ação Popular que questiona os atos administrativos de demarcação do governo, fez com que os interesses econômicos concentrassem suas forças em torno dela para provocar um retrocesso nos direitos territoriais dos povos indígenas no país.
Fonte: www.adital.com
A Amazônia é considerada hoje como uma das regiões de maior importância geopolítica do mundo em função da sua sociobiodiversidade, da água doce, dos minérios estratégicos e demais recursos naturais e por sua influência no clima do planeta. Ela desperta o interesse, tanto daqueles que a pensam unicamente como uma grande oportunidade de negócios, quanto dos que a concebem como a segurança de vida para os povos e populações que nela vivem e lhe atribuem uma importância fundamental para o bem estar de toda a humanidade.
Essas concepções antagônicas projetam cenários completamente distintos para o futuro da Amazônia:
- sua devastação e desertificação;- ou fonte permanente de vida que se recria, beneficiando as atuais e futuras gerações.
Está em curso uma intensa articulação das forças conservadoras que, buscando respaldar seus investimentos predatórios e lesivos ao bem comum na região, promovem uma campanha sistemática de desinformação com a intenção de confundir a opinião pública. Fazem parte dessa estratégia: desqualificar os dados produzidos pelos institutos de pesquisa sobre os alarmantes índices de desmatamento e os impactos atuais e futuros do aquecimento global; difundir a idéia de que a depredação e o saque das riquezas que promovem são sustentáveis, mesmo quando deixam a terra arrasada; de que a demarcação de terras indígenas significaria uma ameaça à soberania dos países; que os povos tradicionais detêm privilégios e não direitos; que a vida das populações locais depende deles. Para isso, contam com apoio de setores importantes da grande imprensa.
Essa perspectiva predatória da Amazônia se fortalece com o Plano de Aceleração do Crescimento, PAC e com a Iniciativa de Integração Regional da Infra-estrutura Sul Americana, IIRSA, articulada pelos países da região. São mega-projetos que não foram discutidos com a população e não consideram a diversidade sócio cultural e ambiental da região. Fazem parte de uma política desenvolvimentista agressiva aos povos e ao meio ambiente da Amazônia, pensada a partir e em função dos interesses externos a ela. O objetivo é superar os obstáculos geográficos para, sobretudo pela ação das empresas transnacionais, incorporar integralmente a Amazônia na dinâmica do mercado globalizado. Faz parte dessa política a pressão para que os direitos das populações locais e a proteção do meio ambiente cedam e se submetam à realização do capital.
Os direitos dos povos indígenas que têm a posse permanente e o usufruto exclusivo de 23% da extensão territorial da Amazônia brasileira foram apontados como sendo um dos grandes obstáculos a essa política desenvolvimentista.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é a "bola da vez" identificada, no contexto atual, como o alvo estratégico. A decisão do STF suspendendo a retirada dos invasores dessa terra indígena, até o julgamento do mérito de uma Ação Popular que questiona os atos administrativos de demarcação do governo, fez com que os interesses econômicos concentrassem suas forças em torno dela para provocar um retrocesso nos direitos territoriais dos povos indígenas no país.
Os povos indígenas, por tudo o que representam em termos da sociodiversidade e pela violência praticada contra eles ao longo da história, a partir da década de 1970, com a sua luta de afirmação de direitos, conseguiram sensibilizar a sociedade brasileira e a comunidade internacional que passaram a considerar a sua causa justa. É exatamente esse respaldo que os índios conquistaram que está sendo atacado, através de uma cuidadosa estratégia de marketing, para provocar na sociedade um sentimento antiindígena. Com essa finalidade, destilam-se velhos preconceitos, forjados por uma visão monolítica de sociedade, onde as culturas indígenas, tidas como atrasadas, deveriam desaparecer, incorporadas à dinâmica da economia capitalista. Para minar a força da resistência dos povos indígenas, atribuem-se a eles todas as mazelas inerentes à hegemonia das atuais elites econômicas e políticas como o desrespeito as leis, a violência, a manutenção de privilégios geradores das desigualdades sociais e de associação a interesses estrangeiros que atentam contra a integridade nacional e o bem comum.
Esses setores também não disfarçam o preconceito em relação aos povos indígenas e a sua maneira de se relacionar com a terra e com o meio ambiente. Não enxergam na forma própria de vida e na sabedoria milenar desses povos nenhum valor. Por isso pouco lhes interessa se os povos indígenas tiverem sua existência futura comprometida devido à usurpação de suas terras. Esperam que as instituições públicas e a sociedade brasileira confundam os seus interesses particulares com os interesses nacionais.
O julgamento da Ação Popular contra a demarcação da Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para acontecer neste mês de agosto, afetará a todos indistintamente. A decisão favorável aos povos indígenas significará que, no contexto atual da democracia brasileira, já não existe espaço para golpes do poder econômico e que todos estão sujeitos as leis do país, inclusive aqueles que de forma inescrupulosa usam da violência, mentem e distorcem a realidade, para continuar depredando e saqueando as riquezas da Amazônia. Significará, sobretudo, a possibilidade de que a Amazônia tenha futuro, com a garantia de sua sociobiodiversidade.
Manaus, 30 de julho de 2008.
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