Leandro Scalabrin, o advogado de defesa do MST, aponta que o processo enquadrando os oito integrantes e apoiadores do MST na Lei de Segurança Nacional é irregular, pois está utilizando provas que foram obtidas de forma ilícita.
Uma lei criada durante a Ditadura Militar para impedir mobilizações sociais e perseguir os opositores ao regime é utilizada hoje contra integrantes e apoiadores do MST no Rio Grande do Sul. Desde Março, oito pessoas estão sendo acusadas na Justiça Federal por supostos crimes que teriam cometido contra a Lei de Segurança Nacional.
Entre os indiciados, estão integrantes do MST que acamparam em Coqueiros do Sul, nas áreas ao lado da Fazenda Guerra, e um agricultor assentado na antiga Fazenda Anonni, na cidade de Pontão. Até mesmo pessoas apoiadoras dos sem terra, como dois homens que apenas arrendaram terras à organização, estão entre os réus.
O advogado de defesa do MST, Leandro Scalabrin, reclama que o processo é irregular, pois está utilizando provas que foram obtidas de forma ilícita. "A impressão que dá é que isso não é um processo judicial, mas sim um processo de exceção. Porque todas as provas que estão sendo utilizadas contra os oito são provas ilícitas. Provas obtidas ilegalmente, onde não foram respeitadas as garantias constitucionais dos acusados", relata.
A Procuradoria acusa os indiciados de promoverem desde saques, seqüestros e depredações até de participarem de grupos que ensinavam guerrilhas a acampados do MST. Nem mesmo uma investigação pedida pelo Ministério Público à Polícia Federal, afirmando que os sem terra não são guerrilheiros e não têm ligação com as FARC, da Colômbia, fez a Procuradoria desistir do processo.
No último dia 29 de Julho, foram colhidos os depoimentos dos oito acusados na Justiça Federal em Carazinho, no Norte gaúcho. No dia 31 de Outubro deste ano, serão ouvidas as testemunhas de acusação e, ainda sem data, as de defesa.
Confira a entrevista a seguir com o advogado Leandro Scalabrin
Os oito indiciados prestaram depoimento da Justiça Federal de Carazinho. Qual sua avaliação sobre a reunião?
A impressão que fica é que existe um pré-julgamento dos acusados. Durante a audiência, a Justiça Federal esteve cercada por policiais militares e com a presença ostensiva de agentes da polícia do judiciário federal dentro do prédio, como se de fato ali estivessem chegando integrantes de uma organização criminosa, de uma organização terrorista.
Baseado em que a Procuradoria está acusando os oito réus?
A impressão que dá é que isso não é um processo judicial, mas sim um processo de exceção. Porque todas as provas que estão sendo utilizadas contra os oito são provas ilícitas. Provas obtidas ilegalmente, onde não foram respeitadas as garantias constitucionais dos acusados. Dois deles, inclusive, não são e nunca foram integrantes do Movimento Sem Terra. Eles são processados por terem afirmado um contrato de arrendamento de terra.
Por que o processo poder ser considerado ilícito?
Os movimentos sociais têm direito de reivindicar o cumprimento da Constituição Brasileira. Seja quando se reivindica por emprego, quando se luta pela reforma agrária, seja quando os professores protestam contra o desmantelamento da educação e o arrocho salarial. Além disso, esse processo possui diversas falhas do ponto-de-vista legal, jurídico. Entre as quais, destaco o fato de que os acusados claramente não sabem do que exatamente estão sendo acusados, prejudicando a ampla defesa. Alguns dos acusados já respondem por um outro processo pelo mesmo fato, o que é vedado pela nossa Constituição.
Qual foi o último caso em que a LSN, criada na Ditadura Militar, foi utilizada?
A Lei de Segurança Nacional foi utilizada contra os grevistas do ABC na década de 80, quando houve uma das maiores greves de trabalhadores que esse país já presenciou. Para acabar com a greve, os militares utilizaram essa lei como uma forma de criminalizar as suas lideranças, como o atual presidente da República [Lula]. Algumas, inclusive, foram presas durante um certo período como estratégia de desmobilizar a greve. Agora no RS, ela está sendo utilizada contra integrantes dos movimentos sociais - alguns deles nem são integrantes - que estão reivindicando a reforma agrária aqui no Estado. Em uma conjuntura, em um momento que revela uma articulação entre setores do Ministério Público Estadual, que pretendem a dissolução do MST, tendo na utilização da LSN um mecanismo de se obter isso. Também tem que se agregar à postura da Polícia Militar gaúcha [Brigada Militar] práticas da Ditadura Militar. Foi recriado o DOPS aqui no RS. De que forma? Com a utilização da PM2 [inteligência da Polícia Militar] permanentemente investigando integrantes de movimentos sociais, partidos políticos de esquerda, centrais sindicais, deputados de partidos de oposição ao atual governo do RS, elaborando permanentemente relatórios de inteligência em que se comprova o monitoramento dessas entidades citadas e a criminalização delas, já que existe essa perseguição da polícia, desse novo DOPS, como eu chamo, e também revelando que a Polícia Militar gaúcha está sendo utilizada para fins políticos. Evocando uma postura que somente havia na época da Ditadura Militar. Como exemplo, há uns 15 dias, a Brigada Militar, ao ocupar uma vila em Porto Alegre, hasteou a bandeira da corporação naquela vila, como se fosse a ocupação do Exército, como se fosse a vitória de uma força que está em guerra com o inimigo [no caso da vila, o tráfico de drogas]. Esse inimigo é, em geral aqui no Estado, os movimentos sociais, as centrais sindicais e os partidos de esquerda.
Há uma previsão para que esse processo tenha um fim?
Não previsão de data, embora se perceba claramente uma urgência, uma pressa da Justiça Federal em julgar logo esse processo, o que não é normal, dada a complexidade da ação e o número de pessoas envolvidas. Mais uma vez, vem em prejuízo da defesa dos acusados.
Como você avalia a postura no Judiciário na luta pela terra no RS?
Nesse processo, a postura do Judiciário tem sido de criminalizar o MST, na medida em que, de uma forma totalmente desnecessária, convocou um aparato fortemente policial para cercar o prédio da Justiça Federal no dia da audiência e reforça esse clima. Além disso, todos os pedidos que a defesa formulou até o momento – alguns deles buscando garantir os direitos previstos dos acusados – foram negados. Na medida em que também existe essa pressa de julgar o processo, o que não tenho visto em ações propostas pelo Incra em que pede, com urgência, a emissão na posse de áreas desapropriadas para que seja feira a reforma agrária. Existe uma posição conservadora do Judiciário Federal gaúcho.
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