Por Roberto Liebgott, vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário
Há mais de 30 anos os povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingaricó lutam pela demarcação de suas terras. A reivindicação destes povos está amparada pela Constituição Federal, em seu Artigo 231. Nesta terra, ao longo de mais três décadas, ocorreram dezenas de conflitos, onde lideranças indígenas foram assassinadas, torturadas, comunidades agredidas, malocas incendiadas, pessoas seqüestradas e terras devastadas por garimpos ilegais e pela ação predatória de centenas de invasores.
Em 2005, o governo federal decidiu pela homologação desta terra. Este ato do presidente brasileiro não foi uma concessão e nem atitude de benevolência. Foi o cumprimento de uma determinação constitucional, orientada e delimitada pelos resultados de longos anos de estudos e comprovações antropológicas, históricas, arqueológicas e sociológicas da ocupação tradicional dos povos indígenas naquele território. Também foi conseqüência de décadas de mobilizações e campanhas de solidariedade em âmbito nacional e internacional pela defesa dos direitos indígenas.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação que finalmente retiraria os invasores das terras indígenas dos povos de Roraima, mostra que a “Suprema Corte Brasileira”, os considera uma ameaça à soberania nacional, ou, como disse o próprio presidente da República, “entraves ao desenvolvimento”. Estes povos que sistematicamente defenderam o território brasileiro, ali construíram suas histórias, enfrentaram as mais terríveis adversidades, os mais poderosos inimigos, inclusive da Pátria, para defender o Brasil de invasores clandestinos, de contrabandistas, narcotraficantes, mineradores, garimpeiros, de colonizadores genocidas, de gente sem pátria.
Quando se pensava que a demarcação de suas terras, trariam às comunidades indígenas, paz para continuar vivendo com dignidade de acordo com seus costumes e suas culturas específicas, o STF volta a debater a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol. São preocupantes algumas declarações de importantes ministros daquele Corte:
“A demarcação desta terra trará problemas a soberania nacional” (ministro Celso de Mello).
“O que não pode é você criar um estado e depois criar uma reserva que tenha 50%, 60% do seu tamanho” (ministro Gilmar Mendes).
Por que, depois de mais de 30 anos, os ilustres ministros resolverem considerar que a demarcação da referida terra indígena traz perigo a soberania do país? Por que meia dúzia de arrozeiros, invasores da terra indígena, poderão produzir arroz se sobrepondo aos direitos constitucionais de mais de 18 mil indígenas? E ainda, por que os seis arrozeiros produzirão riquezas ao Estado e os povos indígenas, legítimos ocupantes daquela região, produzirão apenas prejuízos?
Quais os fundamentos legais para que ministros do STF qualifiquem os indígenas como entraves ao desenvolvimento e a soberania nacional, enquanto os invasores, praticantes de inúmeras ilegalidades constitucionais porque ocupam indevidamente e de má fé propriedade da União, além de praticarem crimes contra as comunidades indígenas e à sociedade de Roraima com a destruição de patrimônio público, como a queima de pontes, são considerados, pelos ilustres ministros, agentes do desenvolvimento econômico?
É preciso chamar a atenção dos ministros do STF para o fato de 3,1 milhões de hectares de terras na Amazônia Legal estarem nas mãos de estrangeiros. A informação é do próprio presidente do Incra, Rolf Hackbart. A área corresponde a 39 mil imóveis rurais, mas pode ser ainda maior. O avanço do agronegócio e os altos preços dos grãos têm chamado a atenção dos estrangeiros, o que tem aumentado a especulação imobiliária na região. Terras estariam sendo vendidas até pela internet. As terras indígenas, ao contrário, quando reconhecidas tornam-se patrimônio da União, cabendo aos índios apenas o seu usufruto.
Cabe ainda questionar, se por trás do debate instalado no STF sobre a demarcação de Raposa Serra do Sol, não há questões políticas envolvidas. Os direitos dos povos indígenas não estariam mais uma vez servindo de “moeda de troca” no jogo político nacional?
O caso Raposa Serra do Sol evidencia para quais dos lados penderão as análises e as interpretações de nossas autoridades. Ou aos Povos Indígenas portadores de direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e que a Constituição Federal lhes assegura, ou para os invasores, que apenas pretendem obter o lucro fácil em terras alheias, como é o caso dos invasores arrozeiros da terra Raposa Serra do Sol.
Porto Alegre (RS), 16 de abril de 2008.
Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi
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