sábado, 27 de setembro de 2008

UMA RESPOSTA AO TEXTO: PRÓXIMA GUERRA


UMA RESPOSTA AO TEXTO: PRÓXIMA GUERRA
ou
POR QUE RORAIMA É TÃO ANTI-INDÍGENA?
ou aindaMITOLOGIAS GÖEBBELIANA



Por: Raoni Valle - Pesquisador bolsista
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Núcleo de Pesquisas em Ciencias Humanas e Sociais - NPCHS



“Um olhar crítico interno ao Brasil explica muito mais a natureza dos problemas que temos hoje em Roraima e na Amazônia brasileira, do que ficarmos buscando ameaças externas, tio sam & cia, e lavarmos nossas mãos enquanto cidadãos brasileiros mil maravilhas. A propaganda da havaiana de que só nós podemos falar mal de nós mesmos, nem sequer se aplica aqui.”


Vivo e trabalho aqui na Amazônia faz mais de 3 anos como arqueólogo do Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (NPCHS) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), no AM e em RR. Desenvolvo dois projetos com povos indígenas, em articulações com ong’s e com as universidades federais e estadual além dos próprios governos estadual e federal. Inclusive já estive na Raposa Serra do Sol e fui muito bem recebido pelas lideranças e população Makuxi e Wapixana, apesar das ações de milicianos de fazendeiros promovendo incêndios criminosos que cercaram nossa comitiva e nos deixaram presos numa ponte por horas em 2005 na saída da TI.


Acredito que esta pesquisadora, suposta autora ou redatora/relatora do texto “Próxima Guerra”, está completamente equivocada e está reproduzindo um discurso propositalmente construído pela grande mídia do sudeste, setores do Congresso, Senado e Palácio do Planalto apoiados e representando oligarquias agropecuárias de Roraima, do Mato Grosso, Rondônia, Pará, Goiás, SP, etc. Além de setores das próprias forças armadas interessadas na fragmentação das terras indígenas amazônicas, inclusive fora das áreas de fronteira. Um discurso perigoso, mal informado e mal informador que já faz tempo circula de email em email pela internet fazendo a cabeça da molecada.


A função estratégico-política desse discurso é essa mesma: formar uma opinião pública anti-indígena no Brasil como tem feito “excelentissimamente” em Roraima, o estado mais anti-indígena do Brasil, provavelmente. Assista o jornal da band com Boris Casoy, os comentários de Carlos Chagas e do âncora Nascimento no jornal do SBT, todos eles seguem a mesma linha de discurso, já conhecido por nós indigenistas, Joelmir Betting (acho que não é mais globo) e William Wack do jornal da globo não ficam atrás. Quando se encontra uma uniformidade geral nas posições noticiadas em telejornais de emissoras concorrentes pode coçar a barba.


Conheço razoavelmente Roraima, estive por duas vezes em pesquisas arqueológicas dentro de terras indígenas lá. E há muito tempo escuto o discurso paranóico norte-americanista espalhado por toda a Amazônia, pois inclusive eu fui partidário dele, antes de conhecer parcialmente a realidade complexa da Amazônia brasileira (e, como veremos, ele não é tão paranóico assim, pois existem elementos concretos para sua manifestação, mas têm que ser tratados com ponderação). E posso assegurar à minha consciência que o menor dos problemas da Amazônia brasileira é os Estados Unidos da América.
A falta de políticas públicas, sócio-ambientalmente, justas e sustentáveis, corretamente e democraticamente definidas, no âmbito das diretrizes dos governos é o pior problema da Amazônia hoje. As Terras Indígenas contínuas são as áreas melhor conservadas, mais do que unidades de conservação como Parques Nacionais (sonho dos Biólogos) e reservas extrativistas. As terras indígenas contínuas são os maiores exemplos da ineficácia das políticas públicas na floresta tropical brasileira, pois mostram que por sua autonomia na utilização dos recursos naturais, não pautadas, em sua maioria, pela lógica do mercado, se converteram em refúgios conservacionistas, e contrastam com estados como Mato Grosso, Pará e Rondônia que se converteram em anti-exemplos da conservação, possuem as oligarquias do agrobusiness mais influentes em Brasília, junto aos setores mais retrógrados e perigosos, do desenvolvimento de qualquer jeito, dentro do Congresso, Senado e Palácio do Planalto, inclusive em direta articulação com o agrobusiness roraimense. Atropelar uma das constituições mais libertárias do mundo democrático é só uma questão retórica para esse pessoal.
A opinião desta senhora mostra um desconhecimento total da legislação indigenista brasileira, da constituição de 88, da História político-ambiental de Roraima e da Amazônia brasileira. Junta um monte de pseudo-fatos, generalizações e pseudo-argumentações como a classificação da ONU sobre nação aplicada à questão indígena no Brasil. E mostra também que (infelizmente) a estratégia de massificação de uma opinião pública anti-indígena no Brasil está dando certo. Inclusive entre pessoas estudadas e “bem informadas” como a classe dos pesquisadores. Mas que também são “ideologisáveis” porque são gente! E, além disso, têm partições políticas, muitas vezes, não declaradas, mas, normalmente do lado de onde deriva o financiamento. Bem, há pesquisadores e Pesquisadores.


Por que Roraima é tão anti-indígena?


RR era território federal até 89 e foi garantido historicamente ao Brasil pela presença massiva de povos indígenas que escolheram negociar com os Portugueses e lutar ao lado desses contra seguidas tentativas de invasão estrangeira, desde o século XVII. A região foi assolada primeiramente pelas frentes holandesas da Companhia das Índias Ocidentais até meados do século XVIII e depois pelos ingleses, até final do século XIX. Um dos fatores para a desistência da Inglaterra foi a questão lingüística que, entre muitas etnias, é política e territorial ao mesmo tempo, pois a segunda língua politicamente e historicamente optada e falada pelos indígenas de RR foi e é o português. Embora falem tranquilamente em Ingarikó, Wapixana, Yanomami ou Makuxi com seus parentes indígenas da Venezuela e da Guiana, falantes em segunda língua de espanhol e inglês respectivamente (sim se fala inglês na Guiana, não porque os índios são vendidos aos norte-americanos, mas porque a colonização histórica foi britânica e a população é uma mistureba de indianos, jamaicanos e indígenas sul-americanos e não se iludam a CIA na América do Sul fala castelhano).
O Povo de Roraima até meados da década de 70 era composto, basicamente, por: Maciçamente indígenas de diversas etnias, efetivos militares e alguns grupos de garimpeiros ilegais em terras indígenas, bem como, algumas frentes extrativistas, como o caucho, a seringa, exploração de madeira, mais na parte sul de Roraima por onde entraram paraenses, amazonenses, maranhenses, cearenses, pernambucanos, etc. Os "Pobres" basicamente, que com o tempo alguns poucos foram se enriquecendo com a pecuária entre outras formas. Esta era Roraima que sempre conservou sua natureza territorial estratégica nas mãos dos indígenas que historicamente e politicamente se aliaram aos portugueses e depois ao Estado brasileiro.
Havia uma minoria de colonos Gaúchos, Goianos, Paranaenses, do centro-sul de maneira geral, que desde fins dos anos 70 foram sendo implantados por subsídios dos governos militares, para aos poucos irem “desindiando” o território e “civilizando", "desenvolvendo" aquela porção. Comungavam uma visão racista que só os colonos de descendência européia recente, alemães ou italianos é que tinham capacidade de criar uma nação, e assim vieram a compor uma elite fundiária desenvolvimentista, dentro da ideologia integracionista e desenvolvimentista desastrosa dos anos 70 militarizados. O problema do Quartieiro em Pacaraima e de outros arrozeiros latifundiários "Gaúchos" começa por essa época, e o acirramento dos problemas das etnias indígenas também, que contabilizam hoje 3 décadas de guerra de baixa intensidade e de conflitos armados com milícias implantadas nas fazendas atuando fora delas, os jagunços de Roraima, de maneira ininterrupta.
Transformar Roraima de território federal em estado federativo, implicava em reconhecer o status das terras indígenas como tais. A constituição de 88 trouxe esse aparato legislativo e jurídico, foi então reconhecido de fato o direito anterior dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais que eram praticamente as mesmas desde o início da colonização européia das Américas até os anos 80 do século XX, e isso foi matizado na Constituição. A grande maioria das ocupações não-indígenas no estado de Roraima é dos anos 70 em diante. Foram feitas conscientemente e na base da violência e opressão em cima de territórios indígenas conhecidos e reconhecidos oficialmente nos últimos 30 anos, ou seja, são na maioria constituídas numa base jurídica de má fé, e, portanto, a rigor ilegais.
De certa forma, o que os portugueses fizeram nos séculos XVI, XVII e XVIII no Brasil indígena, os colonos arrozeiros e pecuaristas centro-sulestinos, os militares e uma massa empobrecida de imigrantes nordestinos e nortistas (esses desde bem antes e com menos poder de fogo) veio fazendo desde os anos 70 até hoje em Roraima, já com uma base legal de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Portanto, foi até pior do que a colonização histórica. Foi mais perversa e vergonhosa.
A falta de uma identidade com a Terra é a única coisa na argumentação da referida pesquisadora que parece proceder do ponto de vista de demonstrar que o estado de Roraima possui uma população não-indígena e "não Roraimense" implantada recentemente, uma colonização recente que se encaminha para sobreocupar terras indígenas pretéritas, historicamente e juridicamente reconhecidas. Um conflito iminente já era previsível nos anos 70 quando essa política desastrosa de colonização e etnocídio dos governos militares começou a ser implantada. Gerou um monstro ideológico-administrativo, pós-democratização, anti-indígena rizi-bovino que temos hoje no governo de Roraima e em sua elite política.
No caminho entre os militares setentistas e Roraima estavam os Waimiri-Atroari. Os Waimiri-Atroari eram duas etnias diferentes que foram quase exterminadas pelos governos militares e frentes extrativistas nessa época. Sobreviveram cerca de 130 índios das duas etnias que foram ajuntados para garantir uma mínima reprodutibilidade cultural e física. A abertura em suas terras da BR 174 nos anos 70, foi a pior coisa que lhes aconteceu, e depois nos anos 80 foram coroados com a hidro-elétrica de Balbina, um fiasco energético, um Mamute Branco, que destroçou a bacia do rio Uatumã, principal rio do território tradicional dos Waimiri-Atroari. Não é gratuito, portanto, terem escolhido a partir de 88, é claro, manterem distância dos Brancos, arbitrariedades militares e das políticas de integração e geração de energia, além da história nos relatar que muitos índios pereceram por balas do fuzil Belga FAL.
NÃO ENTRAR NA TERRA INDIGENA WAIMIRI-ATROARI DEPOIS DAS 18:00 HORAS ATÉ AS 6 DA MANHÃ, PELA BR 174 É UMA REGRA GERAL APLICADA A TODOS. É UM ACORDO FORMAL COM O GOVERNO FEDERAL BRASILEIRO RESPEITADO POR AMBAS AS PARTES E NÃO UMA ARBITRARIEDADE INDÍGENA PRÓ-YANKEES. È O MÍNIMO QUE LHES SOBROU EM RESPEITO À PAZ DE ESPÍRITO MASSACRADA.


Um olhar crítico interno ao Brasil explica muito mais a natureza dos problemas que temos hoje em Roraima e na Amazônia brasileira, do que ficarmos buscando ameaças externas, tio sam e cia, e lavarmos nossas mãos enquanto cidadãos brasileiros achando que somos as mil maravilhas. A propaganda da havaiana de que só nós podemos falar mal de nós mesmos, nem sequer se aplica aqui.
O PROBLEMA DA AMAZÔNIA É NOSSO, NÃO PORQUE A AMAZÔNIA O É, POIS ISSO É UM FATO INDISCUTÍVEL. O PROBLEMA DA AMAZÔNIA É NOSSO, PORQUE FOMOS NÓS QUE O CRIAMOS, E, PORTANTO, PESA SOBRE NÓS A RESPONSABILIDADE DE RESOLVÊ-LO COM SOBRIEDADE E AVALIANDO SUAS CAUSAS DE MANEIRA CORRETA.
Existem ameaças externas sim à Amazônia: a Colômbia é quintal da CIA que, há quem diga, está afirmativamente trabalhando para um golpe de Estado na Bolívia; a bio-pirataria é outra bronca real, norte-americana, japonesa, francesa, alemã, etc. embora hoje existam mecanismos de controle que nos anos 80 e 90 não existiam. Missionários protestantes norte-americanos, cripto-missionários fantasiados de lingüístas antropólogos, de grupos como o SIL e Jomon estão soltos pra cima e pra baixo atuando em etnias pouco contatadas dentro do estado do Amazonas. Esses caras são reais, não são “ongueros” da CPI das ONGs, são Igrejas Evangélicas norte-americanas podres de rica que descem de hidro-avião nas TI’s, com telefonia de satélite, e nem a Funasa, nem a Funai conseguem ter as entradas que esses caras têm, na precariedade da assistência estatal, esses caras fazem a festa desautorizada pela União, mas sob a bandeira da liberdade de crenças religiosas. Mas é interessante como essas estórias não são contadas e viram lendas de cidades perdidas na floresta. Quem anda dentro dessas matas, como nós, é que sabe o que é que ta pegando de verdade, não precisamos inventar mitologias paranóicas convenientes.
Mais ameaças externas: Venezuela pode virar um pepino sul-americano gigante em cima da gente a qualquer momento (embora Chavez tenha plena consciência da importância do Mercosul e de seus vizinhos como um Buffer Zone para suas despirocações, e se os democratas assumem lá em cima, podemos ter uma descompressão do cenário). Bem, antes CHÁVEZ do que URIBE e a CIA.
Mas também existem aliados externos da Amazônia. Existe uma grande discussão global legítima sobre o meio ambiente, sobre mudanças climáticas, sobre equalização das diferenças sociais e econômicas, sobre os ecossistemas prioritários para conservação no mundo e a Amazônia e os povos amazônicos estão integrados nela. PORTANTO, NÃO ADIANTA O BRASIL DISCUTIR A AMAZÔNIA SOZINHO. DE IMEDIATO EXISTEM OUTROS 8 PAÍSES QUE DISCUTEM DIRETAMENTE CONOSCO O FUTURO DA AMAZÔNIA. A AMAZÔNIA É UMA QUESTÃO SUL-AMERICANA ANTES DE SER BRASILEIRA PORQUE OS ECOSSISTEMAS ESTÃO INTEGRADOS E NÃO SE SEPARAM POR FRONTEIRAS GEOPOLÍTICAS DAS NAÇÕES NÃO-INDÍGENAS.
Enfim, nós “indigenistas” que trabalhamos com a questão indígena no Brasil nos últimos anos, temos visto essa argumentação ideológica crescer em força e se popularizar. Inclusive em Roraima que, como dito acima, figura entre os estados mais anti-indígenas do Brasil, não sendo por acaso que 54% de suas terras sejam indígenas e gerem, aparentemente, o propagado engodo anti-desenvolvimentista. A cifra divulgada de 70% de terras indígenas em RR é mais uma manipulação Göebbeliana ninja e sacana. UMA MENTIRA REPETIDA MIL VEZES VIRA UMA VERDADE.


Não sei se esse papo explica porque RR é tão anti-indígena, mas faz um sentido arretado na minha cabeça!


Para finalizar só mais alguns dados:


1 - A Constituição federal brasileira pauta o Brasil e não a ONU. Na Constituição brasileira não se faz menção a nações indígenas. Nela expressões como Terras Indígenas; Povos Indígenas; Etnias Indígenas; Grupos Indígenas; ou Populações Indígenas são termos mais próprios, com responsabilidade jurídica e rigor antropológico.


2 - As Terras Indígenas pela Constituição federal são propriedades do Estado Brasileiro que concede o direito de usufruto dos recursos naturais, excetuando grosso modo, mineralógicos, hidro-energéticos e arqueológicos para os quais é reservada a prerrogativa do Estado no seu uso. A fiscalização, controle, permissão de entrada e saída, portanto, a administração das terras indígenas dentro do espaço nacional federativo, em interface com o território nacional e em fronteiras internacionais é responsabilidade da união e de suas partes constitutivas, como Forças Armadas, Polícia Federal, etc. Estes têm livre acesso às Terras Indígenas desde que pautados em demandas oficiais do Estado Brasileiro, legalmente sancionadas e corretamente acordadas com as demandas das populações indígenas. A rigor, as Terras Indígenas são espaços diretamente controlados pelo Estado Brasileiro, que tem pleno poder de trânsito nelas por constituir sua propriedade inalienável, incluindo aí a ação dos militares no Estado Democrático de Direito. Portanto, são áreas de "segurança nacional" das mais protegidas, e os indígenas funcionam aí como os principais "funcionários" do poder público, no controle e na preservação desses espaços. O que vêm fazendo historicamente.
Portanto, a discussão sobre o temor da soberania e independência das terras indígenas é infundada e alarmista, além disso, é intencionalmente manipulada e manipuladora. Pior que isso é a discussão de que as decisões indígenas são manipuladas por ongs estrangeiras em prol das prerrogativas de Estado Norte-americanas, sempre. Coitados dos abastados Noruegueses (cujos únicos problemas são os suicídios de seus jovens e as únicas ambições são dar sentido às suas vidas) que, dentre os gringos, são dos que mais financiam projetos indígenas.


3 - Afirmar pelo retrocesso ou redimensionamento das terras indígenas como hoje estão homologadas, ou em processo de demarcação e homologação, significa expressamente torná-las disponíveis à apropriação privada, entre outras modalidades. Ora, se a propriedade é privada ela passa a ser controlada por um cidadão com plenos poderes de negociar aquela posse com qualquer instância, inclusive com grandes conglomerados agro-exportadores transnacionais, o que já vem acontecendo em grande parte do Mato Grosso, Pará, Goiás, Ceará e em outros estados brasileiros. Se não pelo agro-negócio pela indústria internacional do turismo, é o caso dos espanhóis no litoral do Ceará, que ouviram do governo estadual que na Terra Indígena Demarcada Tremembé de Almofala não havia índios, só uns pescadores safados manipulados por uma ong para se fingirem de índios. Gerou uma das frases clássicas do anti-indigenismo: "E no Ceará tem índio?" qualquer semelhança com Roraima não é mera coincidência.
A lógica foi invertida, da propriedade privada para a propriedade do Estado. É essa Inversão lógica que tenta se afirmar pelo discurso da pesquisadora ou de suas fontes, que são meras reprodutoras (in?)conscientes de uma manipulação Göebbeliana da era informacional: a de que são as terras indígenas e não os latifúndios do agronegócio uma ameaça à soberania nacional.
Há também uma oposição que se camufla, se traveste: de um lado os Índios da Raposa que são acusados de serem influenciados por ongs estrangeiras pró-estados-unidenses, como a TNC ou TNT, sei lá, atrás do Nióbio (Ni 41) dentro das terras da União. A Raposa é do Estado Brasileiro, as terras são inalienáveis, ninguém pode mexer no nióbio salvo a União, e o usufruto dos índios de maneira nenhuma impede fiscalização do Estado Brasileiro pela PF ou pelas Forças Armadas, a mesma se não ocorre adequadamente não é por conta dos Índios, é porque o dono do quintal não limpa seu terreiro como deveria. Quem afirma o contrário desconhece profundamente a realidade das Terras Indígenas e a Constituição Federal Brasileira; de outro lado estão os Arrozeiros, que são sim invasores históricos, e legitimados pelo governo do estado de Roraima, mas são veiculados na mídia como produtores responsáveis pelo desenvolvimento nacional, pais de família, produtores de alimentos para as populações de Manaus e Boa Vista. A questão não é a função desempenhada por esses setores, mas a que custo, e com qual legitimidade ocuparam aquelas terras, e pior: através de quais processos. Pois são sim perpetradores de porte ilegal de armas, formação de quadrilha, pistolagem, homicídio doloso premeditado, ameaça à vida, roubo de terras federais, incitação ao ódio e ao crime racial e etnocídio. Tudo isso para se plantar arroz ? Isso não é só em Roraima, essa receita diabólica é lugar comum em todas as partes do Brasil onde se está tendo conflito por Terras Indígenas. Quem trabalha com índio está acostumado a lidar com isso sem o filtro dos telejornais.
È fato histórico repetido na América Latina como um todo desde o século XVI o que se tem feito de espoliação das terras indígenas e dos direitos anteriores dessas gentes. O que se tem passado em Roraima nos últimos 30 anos é explicitamente uma tentativa de limpeza étnica balcânica, limpar os territórios dessas gentes, como erva daninha e produzir para o agronegócio, rachar o solo, detoná-lo para produzir arroz, depois soja depois gado, depois o quê??? Francamente, existem muitas outras alternativas de geração de recursos alimentares que não estão pautadas necessariamente em violação dos direitos humanos e na usurpação das terras da União Federativa Brasileira, para não dizer em assassinato em massa. Deslocar esses povos de seus territórios tradicionais e forçá-los a serem sub-empregados de latifundiários centro-sulestinos, seus piores inimigos, é decretar o fim dessa gente, é caminhar para o etnocídio de Estado em larga escala em Roraima. PREFIRO PASSAR SEM COMER ARROZ!
Na verdade, se fôssemos uma população politicamente amadurecida, em termos de valores éticos, já teríamos feito boicote ao consumo de arroz “alma sebosa” de Roraima.
Minha gente (sem paráfrase Collorida): O CAPITAL DO AGROBUSINESS NÃO TEM FRONTEIRA, OS POVOS E AS TERRAS INDÍGENAS TÊM E SÃO BRASILEIRAS!!!
No caminho objetivado pelo Inpa para a consolidação de um Grupo de Assuntos Estratégicos ou Núcleo de Altos Estudos seria interessante se ter clareza para afirmar que ciência e política estão juntas na discussão de assuntos estratégicos e na contribuição efetiva nos debates relevantes que estão em curso como a Raposa Serra do Sol e a situação dos Povos Indígenas Amazônicos e suas Terras como um todo.
Achar que ciência está em isolamento axiológico é ingenuidade para não dizer que é intencionalmente pensado para escamotear posições políticas não declaráveis implícitas nos objetivos e justificativas de pesquisa. A questão indígena não é política, é antes de tudo ética, e se queremos continuar fazendo pesquisa na Amazônia de maneira ética, temos de nos posicionar no debate sobre as terras indígenas e seus povos de maneira correta e sem ambigüidade, até, pois, muitos dos colegas da casa trabalham em terras indígenas e têm algum tipo de conhecimento de causa. SER INDIGENISTA NÃO É SER POLÍTICO, É SER ÉTICO!!! Portanto, é possível ser científico na temática indígena desde que se seja ético.
Leiam a Constituição, leiam o voto do Ministro Ayres de Britto, conheçam a realidade das lutas indígenas nesse país e parem de se informar pelo Carlos Chagas ou pelo Boris Casoy. Analistas de conjuntura nunca foram fontes confiáveis historicamente.
E principalmente: biólogos, cientistas ambientais e da terra, que andam pela Amazônia enriqueçam epistemologicamente suas almas com a antropologia, a história, a sociologia, a arqueologia, a geografia e a economia antes de falarem em meio ambiente, povos amazônicos, em conspirações internacionais e em babilônias correlatas.
Raoni Valle - Pesquisador bolsista

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais - NPCHS
Pesquisador colaborador -
Projeto Amazônia Central - PAC - MAE/USP


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