Por Flávia Dourado
08/05/2008
O pesquisador em etnoecologia do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Vincenzo Lauriola, ressalta que a demarcação contínua da Tirss representa um modelo importante de gestão sócio-ambiental e de desenvolvimento sustentável, por ser inteiramente delimitado por fronteiras naturais. “Na sua luta pela área única ‘de rio a rio’, os índios demonstram sabedoria ambiental, buscando indiretamente evitar problemas que afetam outras áreas indígenas, como o Parque Indígena do Xingu, cujas condições ambientais são gravemente ameaçadas pelo desmatamento provocado pela expansão das monoculturas e da pecuária nas nascentes dos rios que o atravessam, devido ao fato que ficaram fora da área demarcada”.
O pesquisador destaca, ainda, o valor simbólico da demarcação contínua da Tirss, justamente por ela ficar no estado brasileiro de ocupação não-indígena mais recente e menos povoado, “ou seja, onde os fatores históricos e demográficos deveriam definir as premissas mais favoráveis ao reconhecimento dos direitos territoriais indígenas”. Para ele, a decisão em torno da demarcação da Tirss representa um divisor de águas fundamental para os rumos futuros das políticas de respeito e promoção dos direitos das minorias. “O êxito final da ‘saga’ da Raposa Serra do Sol vai nos dizer se os demais povos indígenas do Brasil que aguardam seus direitos serem reconhecidos ainda podem ter esperança de obtê-los, ou se, mesmo aqueles que já têm suas terras demarcadas, precisam se preocupar com ameaças de futuras revisões e reduções”.
De acordo com a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Ana Paula S. Maior, ceder a esse tipo de pressão seria um retrocesso. A advogada conta que após a identificação da Raposa Serra do Sol, concluída em 1992, houve três meses para que pessoas interessadas contestassem a delimitação. “Questões relativas à soberania nacional, à integridade territorial de Roraima e à ocupação dos arrozeiros já foram amplamente discutidas no bojo desse processo. São preocupações plenamente superadas”.
Identidade étnico-cultural
Os defensores dos direitos indígenas argumentam que a demarcação contínua também é importante do ponto de vista étnico-cultural. Ana Paula Maior ressalta que os índios precisam de um território mínimo para garantir sua sobrevivência física e cultural, que inclui áreas de plantio, caça e pesca, além daquelas que servem de referência cultural, como cemitérios e locais sagrados. “Isso cria uma unidade territorial e viabiliza a manutenção da identidade indígena”. Para Lauriola, demarcar as terras sem incorporar os espaços indispensáveis aos povos indígenas “significaria condenar não apenas as identidades socioculturais à extinção, mas também os indivíduos, configurando-se a perspectiva de verdadeiros etnocídios”.
O pesquisador cita o exemplo dos Guarani, no Mato Grosso do Sul, que tiveram as terras demarcadas em ilhas, em meio a áreas de cultivo agrícola. O resultado dessa negação à unidade territorial, de acordo com ele, é a desestruturação dos mecanismos culturais tradicionais, que têm levado a altas taxas de suicídios coletivos, alcoolismo, desnutrição infantil e violência entre os índios.
Direitos indígenas
A demarcação de terras indígenas é prevista no artigo 231 da Constituição, que reconhece o direito originário dos índios ao usufruto exclusivo dos recursos naturais dos territórios tradicionalmente ocupadas por eles e necessários para sua manutenção física, social e cultural. A lei não concede, portanto, a propriedade das terras – que continuam pertecendo à União – mas o usufruto de suas riquezas, exceto as presentes no subsolo.
A Declaração dos Povos Indígenas da ONU, documento assinado por 143 países, inclusive o Brasil, em 2007, resguarda os direitos dos índios, como à propriedade de suas terras, ao acesso aos recursos naturais de seus territórios, à autodeterminação e à preservação de sua identidade cultural e dos seus conhecimentos tradicionais.
De acordo com o antropólogo e ex-membro da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Henyo Trindande Barreto B. Filho, acordos internacionais como esse mostram que assegurar os direitos dos índios não é uma invenção nem uma pretensão exclusivamente brasileira. “Essa é uma tendência global. Quem estiver contra isso vai ser atropelado pela história”.
Carlos
Fonte:http://www.comciencia.br/reportagens/2005/04/01.shtml
A quem pertence o conhecimento?
Aos cientistas, pesquisadores e pensadores que o produzem? Àqueles a quem é ensinado que, se o aprendem, são também seus co-proprietários? À sociedade que deve dele beneficiar-se e que, sabendo ou não disso, oferece as condições culturais, políticas, econômicas e morais para a sua busca, o seu desenvolvimento, a sua multiplicação e transformação? Aos governos que o financiam, quando o financiam, e que deveriam manter boas políticas públicas para a sua produção, desenvolvimento e apropriação social? Às empresas que dele se apropriam por investimentos, compra, ações jurídicas e/ou judiciais, registros de patentes, lideranças em pesquisas setoriais, propriedade, enfim, do que é de todos, mas com direitos exclusivos de controle e de formas de socialização, via as práticas comerciais vigentes nos sistemas de troca da economia global?
Pelo conhecimento tradicional, às comunidades indígenas, aos sertanejos, aos agricultores, às populações ribeirinhas, aos seringueiros, àqueles, enfim, herdeiros ativos de um longo e depurado saber, em particular no caso da biodiversidade, que, passado de geração em geração, manteve-se como um patrimônio de conhecimento sobre a vivência, a prática e a experiência do convívio com a terra, com as águas, com os animais, com os vegetais e com os minerais que, juntos, compõem os complexos ecossistemas da vida no planeta?
A todos e a nenhum? A uns mais, a outros menos? Como? Por quê? Para quê? Quem deve governar os destinos da ciência e da tecnologia? Todos esses atores acima elencados? Somente alguns deles? De que modo? Por quais mecanismos de participação nos sistemas de governança da ciência e da tecnologia? E no caso do assim chamado conhecimento tradicional que papel reconhecer-lhe quanto aos direitos e obrigações gerados pelas inovações que possibilitam e, muitas vezes, facilitam?
O fato é que a situação que envolve essas comunidades, no que diz respeito aos direitos sobre o conhecimento da realidade física e cultural em que estão inseridos e na qual e com a qual interagem de forma ao mesmo tempo dinâmica e conservadora, é nova e além disso apresenta características que lhe dão peculiaridades significativas mas nem por isso simples ou fáceis de codificar nos vocabulários das regras da economia contemporânea.
Entre essas características, duas podem ser apontadas como marcantes: ser um conhecimento sem autoria individualizada, mesmo quando, por exemplo, os pajés em comunidades indígenas são os “donos” da soberania ritual e cerimonial de seus segredos, poderes e aplicações; ser um conhecimento difuso, embora consistente, e que, por ser difuso, gera também direitos difusos para a nomenclatura dos partilhamentos consagrados, administrados e governados por organismos, normas e leis de sofisticação crescente, em nível nacional e internacional.
Isso, contudo, não exclui a necessidade do reconhecimento desses direitos e tampouco deve funcionar como justificativa para protelar as decisões políticas que, de um lado, os afirme e em leis os consagre e, de outro, desimpeçam os caminhos da pesquisa dos entulhos das alegações infundadas e dos atrasos institucionais.
O Brasil, desde a Eco 92, em especial, vem desenvolvendo, em diversos níveis das ações culturais e políticas, uma intensa atividade no sentido de buscar cenários cada vez mais favoráveis ao atendimento dessas condições acima enunciadas.
Pela riqueza de nossa biodiversidade, pelo potencial daquilo que a natureza oferece como “ensinamento” para o equilíbrio ambiental, para a inovação tecnológica e para o desenvolvimento de novos produtos de alto valor econômico e social, pela pluralidade dos saberes que em rica diversidade cultural vivem várias de nossas populações no contato mais direto com essa enorme variedade da vida em nosso território, é fundamental que os mecanismos legais que reconhecem o papel do conhecimento tradicional nesse processo sejam constante e sistematicamente aperfeiçoados na busca ético-pragmática das soluções que façam avançar as pesquisas sem perder de vista as dimensões humanistas que dão grandeza e humildade à aventura do homem no mundo, do seu conhecimento do mundo, do mundo do conhecimento, do conhecimento do conhecimento do mundo.
Desse modo, o conhecimento pertence ao homem e isso é mais tradicional e inovador do que todas as tradições e inovações quantificadas, mesmo quando – o que é freqüente, sobretudo nas sociedades contemporâneas – a sua institucionalização como bem tangível de mercado, comércio e lucro tende a deprimir essa universalidade intangível, mas concreta, de seu papel estruturador na dinâmica dos processos civilizatórios da educação e da cultura.
28.04.2008
Nota da Associação Brasileira de Antropologia sobre a Ação do Governo Federal sobre a situação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A Associação Brasileira de Antropologia vem se juntar ao conjunto de entidades das sociedades civil e política brasileiras no sentido de defender a homologação da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área contínua, com ações de retirada de ocupantes não–índios (seis arrozeiros!), conforme decreto no primeiro Governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva o estabelece, consoante a defesa da legalidade e dos princípios de um Estado de Direito como consagrados na constituição de 1988.Ao longo de seus 50 anos de existência, nossa associação, a primeira sociedade científica na área das ciências humanas no Brasil, e uma das três maiores associações antropológicas no mundo, esteve engajada em numerosas causas sociais, de acordo com o imperativo de responsabilidade moral e ética que impele o antropólogo à defesa dos direitos dos grupos socialmente minoritários com que trabalha, e não nos faltaram momentos para demonstrá-lo, fosse em tempos de regime ditatorial, fosse sob a democracia. Nosso fazer profissional, nosso compromisso moral e ética têm nos colocado diante da situação de agirmos fundamentando as bases da ação de Estado no reconhecimento dos direitos indígenas aos territórios que tradicionalmente ocupam, seja sob a forma de relatórios originados no trabalho de identificação dessas terras, seja sob a forma de laudos periciais para fins judiciais. É com base no acúmulo de conhecimentos ao longo de mais de duas décadas atuando em processos de identificação fundiária e de um consenso em nossa comunidade sobre as formas cientificamente adequadas de fazê-lo que cremos - com base nos estudos antropológicos idôneos que informam a demarcação já realizada da área Raposa-Serra do Sol, ocupada por indígenas Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang, Patamona, vítimas de toda sorte de violência na região - que a presente situação de violência pode exponencialmente se multiplicar. Repudiamos a morosidade na retirada dos ocupantes não índios e as concessões políticas feitas a um número de seis indivíduos cujos interesses políticos configuram o que muitos chamam de "estado de Roraima", na verdade, um estado indígena cuja verdadeira riqueza jaz nas mãos desses 18.000 mil indivíduos desses povos, cidadãos brasileiros como todos nós. Com base na experiência de nossos associados vimos destacar que os povos indígenas têm sido os mantenedores das fronteiras do Brasil ao longo do período colonial, imperial e republicano, muito antes dos ditos habitantes não indígenas de Roraima e de boa parte da Amazônia terem lá chegado. Tais procedimentos, num pseudo-nacionalismo emanado de vozes militares e civis manifestamente ignorantes do verdadeiro país em que vivemos, são sintomas das imensas desigualdades que marcam, lamentavelmente, o Brasil.É no sentido de urgir o Governo Federal a agir no interesse da ordem, da lei e da paz e de intervir no sentido de dirimir tais problemas, que a Associação Brasileira de Antropologia se manifesta mais uma vez em nome da democracia, da pluralidade e da verdade científica como bases de uma sociedade mais justa. Fazemo-lo com base na experiência de mais de década de demarcação de terras indígenas em regiões de fronteira, que hoje se encontram mais seguras dada à certeza da presença daqueles que são os primeiros e mais legítimos habitantes de nossa terra.A ABA coloca-se à disposição para debater e contribuir na direção do pleno reconhecimento dos direitos indígenas
Luís Roberto Cardoso de Oliveira
Presidente
Antonio Carlos de Souza Lima
Comissão de assuntos Indígenas
Associação Brasileira de Antropologia
Conselho Indígena de Roraima
Fonte:http://www.cir.org.br/
Página: http://www.cir.org.br/noticias.php?id=505
22.04.2008
Governo de Roraima enganou STF para beneficiar arrozeiros
Fonte: http://www.cir.org.br/noticias.php?id=503
O governo do estado de Roraima conseguiu adiar a Operação Upatakon 3, por medida Liminar do Supremo Tribunal Federal, a partir de uma ação cautelar que liberalmente enganou os ministros do Supremo Tribunal Federal: a justificativa de que Raposa Serra do Sol, em área contínua, representa 46% do estado de Roraima.Na verdade, a soma das 32 terras indígenas de Roraima representa 46% do território estadual. Analisando que Roraima tem 22,4 milhões de hectares (224.298,980 km²) a área de 1,7 milhão da Raposa Serra do sol, equivale a 7,5% de Roraima. O coordenador do Conselho Indígena de Roraima – CIR, Dionito José de Souza, manifesta toda a indignação dos índios da Raposa Serra do Sol contra a manipulação de informações que visam fazer o Supremo Tribunal Federal retroagir nos direitos indígenas conquistados desde a Constituição de 1988.“A mentira sempre foi a arma dos opressores! A gente vê que todos que são contra os nossos direitos usam essa mentira criada pelo governo de Roraima para justificar a injustificável permanência dos invasores”, critica Dionito.Para o CIR, o governo estadual adiou a paz duradoura na região ao defender seis arrozeiros, em detrimento de 18.992 indígenas de cinco povos que vivem a região da Raposa Serra do Sol há mais de 4 mil anos.
Conselho Indígena de Roraima