quinta-feira, 6 de novembro de 2008
MST ocupa fazenda que usava trabalho escravo no Paraná
Cerca de 2 mil Sem Terra do MST montaram acampamento, na manhã de sábado (1/11), na fazenda Variante, em Porecatu, região Norte do Paraná.Em agosto deste ano, durante uma ação conjunta entre o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, MPT (Ministério Público do Trabalho) e a Polícia Federal, a fazenda foi embargada por ter sido encontrado no local, 17 trabalhadores em situação degradante, análoga ao trabalho escravo. A área de 1.362 hectares, que pertence ao grupo Atalla, era utilizada para o plantio de cana-de-açúcar para abastecer a UCP (Usina Central de Porecatu), produtora de açúcar e álcool, de propriedade do mesmo grupo.A vistoria realizada na UCP encontrou, ao todo, 228 funcionários da empresa em situação degradante, análoga ao trabalho escravo. Também foram identificados casos de exaustão física causada pela jornada excessiva e o trabalho degradante. Na operação, parte da Usina foi interditada e sua estrutura considerada ilegal, por apresentar risco à vida dos trabalhadores. Entre elas, a área de trabalho na plantação de cana.Na época, a situação chocou a comissão e a população paranaense. Em entrevista à imprensa, a coordenadora da fiscalização, Jackeline Corrijo, afirmou que as condições de trabalho no local estão entre as mais graves encontradas nos últimos tempos pelos auditores fiscais, no setor sucroalcooleiro.Os Sem Terra ocuparam a fazenda Variante, como forma de pressionar o governo federal a desapropriar a área para o assentamento de famílias acampadas na região.O MST defende a aprovação imediata da Proposta de Emenda à Constituição – PEC 438/2001, que prevê a expropriação para fins de Reforma Agrária, das fazendas flagradas explorando trabalhadores em condições semelhantes à de escravidão. Há quatro anos a PEC espera a votação em segundo turno pelos deputados, mas enfrenta a resistência da bancada ruralista, que é contra a PEC e o fim do trabalho escravo no país.A Usina Central de Porecatu, localizada no Norte do estado, que empregava cerca de 1,8 mil pessoas, em sua maioria trabalhadores cortadores-de-cana, tem um histórico de desrespeito aos direitos trabalhistas há mais de dez anos, com constantes atrasos de salários e situação de trabalho degradante. Segundo os procuradores do MPT, em entrevista à imprensa, desde 1997 existem ações e processos contra a Usina que ainda tramitam no Poder Judiciário. Nesta região, a Usina domina a economia do município de Porecatu, além outros municípios menores, onde a maioria da população trabalhava no corte da cana. O que deixava estas cidades à beira de um colapso, toda vez que a empresa atrasava os salários dos trabalhadores, fato que ocorria constantemente.
HABEAS CORPUS DE DANTAS
Fonte:http://titaferreira.multiply.com/journal/item/1903
A análise do caso deve ser conturbada já que existem posições contrárias à liminar concedida por Mendes. A Procuradoria Geral da República (PGR), por exemplo, sustenta que a liberdade do banqueiro não poderia ter sido concedida pelo presidente do Supremo.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar nessa quinta-feira, 6, o habeas corpus (HC) que libertou o banqueiro Daniel Dantas e os demais presos na Operação Satiagraha da Polícia Federal. O julgamento do mérito do pedido está agendado para as 14h. Por enquanto, a liberdade de Dantas e dos demais beneficiários do HC é precária, estando garantida apenas por uma liminar concedida pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes.
A análise do caso deve ser conturbada já que existem posições contrárias à liminar concedida por Mendes. A Procuradoria Geral da República (PGR), por exemplo, sustenta que a liberdade do banqueiro não poderia ter sido concedida pelo presidente do Supremo. Em seu relatório sobre o caso, a PGR pede ao STF que "reconheça, diante do decreto de prisão temporária, que o Exmo. Sr. Presidente, Ministro Gilmar Mendes, não poderia apreciá-lo diretamente".
A interpretação da procuradoria é que o presidente do Supremo não poderia ter dado esse tipo de liminar porque o objeto inicial do HC não era a liberdade dos acusados - em princípio, o documento pedia a garantia de acesso aos autos. Outro ponto considerado irregular é o fato de que a decisão "viola a ordem dos processos nos tribunais" ao suprimir instâncias. A decisão de libertar os presos da Satiagraha foi tomada sem que o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisassem o caso.
Com isso, a PGR pede que "não seja referendada a revogação da prisão preventiva de Daniel V. Dantas, fato posterior e que não se insere diretamente no âmbito da competência dessa Suprema Corte, uma vez que também neste caso há supressão de instâncias e ofensa". Uma alternativa dada pela procuradoria para resolver o problema da concessão da liberdade ao sócio do Banco Opportunity é a exclusão deste pedido do processo sob análise do STF (HC 95009) e deixar que o TRF julgue o caso primeiro, "que é o órgão competente para tal fim".
O único item em que a procuradoria concorda com a decisão tomada pelo Supremo é abertura dos autos para os investigados e advogados, pedido inicial do HC. Com relação ao acesso às informações da investigação, o TRF e o STJ negaram a liminar, mais tarde concedida pelo STF.
Ausência
O julgamento não deverá contar com a presença do ministro Joaquim Barbosa. O magistrado chegou nesta segunda em Washington para participar de um evento sobre eleições. A viagem foi a convite da Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais, segundo informações do TSE. Barbosa, que é vice-presidente do tribunal eleitoral, deve permanecer nos EUA até o dia 8, próximo sábado.
A ausência do ministro deve agradar os advogados de Dantas. Isso porque o advogado Nélio Machado entrou com um pedido de suspeição de Barbosa para impedi-lo de julgar o mérito do HC 95009 no STF. O pedido ainda não foi julgado e está sob análise da PGR. Machado usa como argumento para a suspeição um bate-boca entre Barbosa e o ministro Eros Grau, relator do HC. Na discussão, segundo o advogado de Dantas, Barbosa teria demonstrado já ter uma posição pré-estabelecida contrária ao seu cliente. A briga ocorreu no Plenário do STF quando os ministros julgavam a libertação dos presos na Satiagraha.
Pedido arquivado
Outro caso envolvendo Dantas foi arquivado na semana passada. O ministro Eros Grau pediu o arquivamento do HC 96580, que pedia a suspensão da sessão realizada no dia 22 de outubro pelo juiz Fausto De Sanctis na 6ª Vara Criminal de São Paulo. Na sessão, De Sanctis colheu o depoimento de Dantas e outros envolvidos nas investigações da Satiagraha, como Hugo Chicaroni e Humberto Braz. O foco da sessão era a tentativa de suborno de um delegado federal, supostamente para retirar Dantas das investigações da Polícia Federal e incluir o empresário Luis Roberto Demarco, inimigo declarado do dono do Opportunity.
No HC, Nélio Machado argumentava que De Sanctis não poderia julgar a tentativa de suborno, já que sua instância cuida de crimes contra o sistema financeiro. Seguindo este raciocínio, o advogado pedia ainda a anulação da ação penal conduzida pelo juiz. O entendimento de Machado é que, como se tratava de uma "flagrante ilegalidade", a supressão de instâncias era permitida e o STF poderia julgar o caso antes da decisão de mérito nos outros tribunais.
O ministro Eros Grau, no entanto, não viu essas ilegalidades e decidiu arquivar o pedido. Com a decisão, o Supremo só poderá voltar a analisar este caso se houver um recurso contra a decisão do STJ sobre este processo. O STJ negou a liminar solicitada neste HC, mas não o arquivou. Ou seja, irá julgar o mérito do pedido e se a ação penal deve ou não ser anulada. O TRF não se pronunciou neste caso.
Observatório da Escola das Américas visita o Chile e pede fim de envio de soldados
Uma delegação do Observatório da Escola das Américas (SOA - sigla em inglês) inicia amanhã (6) uma visita ao Chile para pedir ao governo que acabe com o envio de militares ao Instituto de Cooperação e Segurança do Hemisfério Ocidental, mais conhecido como a Escola das Américas. A visita da delegação segue até o dia 12 de novembro.
As organizações de direitos humanos afirmam que a Escola das Américas treinou os principais violadores dos direitos humanos. Até esta data, foram graduados 3.600 militares e o Chile envia mais de cem soldados todos os anos. Durante a visita, serão realizadas diversas atividades: protestos, oficinas, visitas a entidades e reuniões de organizações de direitos humanos. A delegação do Observatório será formada pelo sacerdote e coordenador das Comunidades de Base na Nicarágua, o padre jesuíta José Mulligan, pelas religiosas Kathlenn Desautels e Maureen Newman, pela mestra pela paz, Judith Kelly, pela escritora Vera Loene, pela enfermeira Theresa Cameranesi, pela engenheira Rebecca Kanner, pela coordenadora da América Latina de SOA Watch, a socióloga Lisa Sullivan, e pelo documentarista Jonathan Tyman.
Nesta sexta-feira (7), as entidades se encontrarão com o ministro da Defesa, José Goñi, no Ministério da Defesa. Realizarão também um protesto em frente ao palácio de La Moneda. No dia 10, haverá a oficina "Educação para a paz" e uma visita à Assembléia Nacional de Direitos Humanos. No dia 11, estão previstos uma reunião com a Associação de Familiares de Detidos Desaparecidos e um encontro com Comunidades Cristãs. A Escola das Américas foi criada em 1946 no Panamá e, em 1984, foi transferida para a Geórgia. Segundo o Observatório, milhares de latino-americanos foram torturados, violados, assassinados, desaparecidos, massacrados e obrigados a refugiar-se por soldados e oficiais treinados nessa Escola. Afirma também que os egressos dessa escola perseguem os educadores, organizadores de sindicatos, trabalhadores religiosos, líderes estudantis, pobres e camponeses.
A entidade ressalta ainda que, em seus mais de 60 anos de existência, a Escola das Américas treinou mais de 61 mil soldados latino-americanos em cursos como técnicas de combate, táticas de comando, inteligência militar e técnicas de tortura. De acordo com o Observatório, atualmente a Escola treina quase mil soldados e policiais a cada ano.
Outra acusação que pesa sobre a Escola é a participação no Plano Condor, uma coordenação dos militares do Cone Sul durante o período de ditaduras militares. A Doutrina de Segurança Nacional, adotada pelos exércitos latino-americanos, foi elaborada pelos Estados Unidos e propagada pela Escola, também chamada de "Escola de Assassinos". Desde os anos 90 nos Estados Unidos, o Observatório luta para acabar com este centro de treinamento militar.
Cursou a “Escola das Américas” em 1959, de 08 de setembro a 09 de dezembro, quando Capitão, concluindo o curso “Military Police Office”.
2 - ALTEVIR LOPES - Seu nome consta do Projeto Brasil Nunca Mais (BNM) no volume “Os Funcionários”, pag. 63, na lista de “Elementos Ligados a Prisões e Cercos”. Esta denúncia foi feita em dezembro de 1968, apontando-o como Tenente-Coronel, atuando na Polícia Militar do Paraná, envolvido diretamente em prisões e cercos. Foi citado no Processo 477/68 da 5° Região Militar.
Cursou a “Escola das Américas”, em 1960, de 14 de março a 03 de junho, quando capitão, concluindo o curso de “Military Police Office”.
3 - PAULO MAGALHÃES - Aparece como Francisco Paulo Manhães à pag. 19 do volume “Os Funcionários” do BNM, na lista de “Elementos Envolvidos Diretamente em Torturas”, como Capitão do Exército, trabalhando no Centro de Informações do Exército - CIE, na Polícia do Exército-RJ, em 1969. Dois presos políticos denunciam sua atuação em torturas: Sérgio Ubiratan Manes e Paulo Roberto Manes. O primeiro, em 1969, tinha 19 anos, era estudante e em Auditoria Militar declarou: “ ... que, sofreu torturas, foi espancado na PE sediada à Rua Barão de Mesquita; que deseja declinar o nome dos seus torturadores e que foi torturado pelo Capitão do CIE Francisco Paulo Manhães ... ”.
O segundo testemunho é de Paulo Roberto Manes que, em 1969, tinha 20 anos e era estudante, e declarou em Auditoria Militar: “ ... que tem queixas da coação que sofreu vinda da pessoa do Capitão Francisco Paulo Manhães do CIE ... ”.
Tais declarações encontram-se, respectivamente, às pags. 728 e 474 do Vol. III, “As Torturas” e fazem parte do Processo n° 648 da 2° Auditoria da Marinha.
Seu nome ainda aparece na mesma lista de envolvidos diretamente em torturas como “Manhães” atuando no Rio Grande do Sul, em 1970, e tendo
sido denunciado por Paulo Roberto Telles Franck que tinha na ocasião 27 anos, era eletricista, e na Auditoria Militar declarou: que “ ... de volta ao DOPS, foi submetido a choques em várias partes da cabeça ...; que foi obrigado a ingerir tóxicos; que durante o tempo que estava no pau-de arara havia elementos que cuspiam e urinavam no rosto do interrogado, afora outros tipos de torturas psicológicas .... Foi perguntado se podia dizer o nome de algumas pessoas que o torturaram ... declinou o nome Manhães que se dizia do Rio.”
Este depoimento encontra-se no Vol. III “As Torturas”, pag. 477 e faz parte do Processo n° 34/70 da 1° Auditoria do Exército.
O nome de Paulo Magalhães (como aparece na lista de alunos da “Escola das Américas”) consta da lista de membros dos órgãos de repressão do GTNM/RJ como Capitão da Cavalaria do Exército, servindo na Polícia do Exército/RJ, tendo sido comissionado no DOI-CODI/RJ em 1969. Entre 1970 e 1972 esteve no Centro de Informações de Exército-RS, atuando na repressão em vários Estados. Em 1972, esteve combatendo a Guerrilha do Araguaia na Brigada de Paraquedistas, sendo conhecido como Dr. Pablo. Serviu no gabinete do Ministro do Exército em 1974; em 1986 era Tenente-Coronel. Seu nome aparece ora como Paulo Manhães ora como Paulo Malhães.
Ainda no Projeto BNM consta como Paulo Magalhães no volume “Os Funcionários”, pag. 76 na lista de “Elementos Envolvidos em Prisões e Cercos”. Esta denúncia é de julho de 1969, atuando junto ao DOPS/RJ, desempenhando papel de membro dos órgãos de repressão, envolvido em prisões e cercos. Tal informação encontra-se no Processo n°24/69 da 1° Auditoria do Exército.
Cursou a “Escola das Américas” em 1959, de 08 de setembro a 09 de dezembro, quando ainda era 2° Tenente, tendo concluindo o curso “Military Police Officer”.
4 - THAUMATURGO SOTERO VAZ - Oficial de Infantaria do Exército, foi paraquedista com Cursos de Guerrilha na Selva feitos na Zona do Canal do Panamá pela “Escola das Américas”. Recebeu a “The Army Commedation Medal” e no Brasil a Medalha do Pacificador, esta em 1969. Participou da repressão à Guerrilha do Araguaia. Algumas fontes o denunciam erradamente como Daumaturgo. Estas informações encontram-se na lista do GTNM/RJ de membros do aparato de repressão.
Em depoimento feito ao GTNM/RJ o ex-preso político Danilo Carneiro, confirmou que foi torturado pessoalmente por Sotero Vaz. Este militar também comandou outras torturas feitas a Danilo, em 1972, na Rodovia Transamazônica e em Marabá. Esta denúncia consta na 9° Vara Federal de Justiça num processo que Danilo Carneiro move contra a União por perdas e danos, onde dentre outros torturadores, é denunciado Thaumaturgo Sotero Vaz.
Em 1962 fez a “Escola das Américas”, quando era Capitão, no período de 24 de setembro a 30 de novembro.
5 - WALFRIDO SILVA - Seu nome aparece no Projeto BNM, no volume “Os Funcionários”, na pag. 118, na lista de “Elementos Envolvidos em Diligências e Investigações”. A denúncia, de 1969, coloca-o como Major, atuando em Goiânia, como encarregado de IPM (Inquérito Policial Militar), tendo também participado de diligências e investigações. Estas informações constam do Processo n° 41/70 da 11° Região Militar.
Cursou a “Escola das Américas”, em 1964, como Capitão, no período de 10 a 28 de agosto, diplomando-se em “Operações na Selva”.
6 - CLEMENTE JOSÉ MONTEIRO FILHO - Seu nome aparece no Projeto BNM, no volume “Os Funcionários”, em quatro listas. Na primeira, às pags. 12 e 28, de “Elementos Envolvidos Diretamente em Torturas”, é denunciado como Capitão de Mar e Guerra do Corpo de Fuzileiros Navais, atuando em 1969 no CENIMAR - Centro de Informações da Marinha. Na pag. 12 aparece como Clemente José Monteiro sendo denunciado pelos presos políticos abaixo, em Auditorias Militares: Humberto Trigueiros Lima, Iná de Souza Medeiros, Marta Maria Klagsbrunn, Marta Mota Lima Alvarez, Sebastião Medeiros Filho e Luis Carlos de Souza Santos.
O depoimento de Humberto Trigueiros Lima que, em 1969 era estudante com 21 anos, consta da pag. 190 à 192 do Volume II - “As Torturas”, afirma que: “... Antônio Rogério da Silveira afirmou ter sido torturado por meio de choques elétricos, pancadas, pau-de-arara, tanto na Polícia Federal do Paraná, como na Base Naval da Ilha das Flores, sendo que ai, por ordem do encarregado do Inquérito, Capitão de Mar e Guerra Clemente José Monteiro Filho; que pode ainda constatar que àquela época Antônio Rogério estava evacuando sangue, o que começou a acontecer depois de ter sido submetido a choques elétricos no ânus ...”.
O depoimento de Iná de Souza Medeiros que, em 1969, era estudante com 21 anos, consta da pág. 208 à 210 do Volume II - “As Torturas”. Declara
que: “... foi levada à presença do Clemente, encarregado do Inquérito, na Ilha das Flores, sob a alegação de que iria prestar esclarecimentos; que o Comandante indicou outro local para que o guarda a conduzisse; que assim foi levada para uma casa abandonada chamada Ponta dos Oitis; que lá três pessoas ... que pertenciam ao CENIMAR ... mandaram a declarante despir-se; ... foi espancada com fio molhado; ... como não encontrassem palmatória, começaram a espancá-la com a mão mesmo; ... foi amarrada por fios e passaram a lhe aplicar choques elétricos; que neste estado permaneceu até à noite, quando foi conduzida para a cela; ... vê como estão sendo torturadas as moças do outro Inquérito, chamado de Inquérito de Ação Popular, chefiado também pelo Comandante Clemente; que essas moças passaram ... várias torturas ainda piores que as da declarante; ... levaram ferro na unha, choque elétrico, afogamentos, ...”.
A terceira denúncia, de Sebastião Medeiros Filho que, em 1969, tinha 23 anos, está contida às pags. 705 e 706 do Volume III - “As Torturas”, afirma que: “ ... depois de ter sido torturado no Paraná, foi transferido para a Ilha das Flores onde foi colocado num banheiro sem cama, completamente despido durante treze dias, quando foi retirado para assinar o depoimento ...; que as verdadeiras declarações que fez em presença do Comandante Clemente não foram transcritas no seu depoimento”.
As declarações de Luiz Carlos de Souza Santos sobre Tiago Andrade de Almeida, feitas em 1969 e contidas à pag. 788 do Volume III - “As Torturas”, informam que: “... em 28 de maio de 1969 foi colocado diante de Tiago Andrade de Almeida, completamente esquartejado, com inflamações no ouvido devido aos “telefones”, sendo segurado, pois não se agüentava em pé, pelos policiais vindos do Paraná, segundo lhe consta por ordem do Comandante Clemente”.
A denúncia de Marta Mota Lima Alvarez que, em 1969, era estudante com 20 anos, consta da pag. 191 do Volume III - “As Torturas” e informa que; “... o seu depoimento era batido na casa do ... Clemente, na Ilha das Flores, para onde era levada a depoente; que este depoimento era lido e interrompido várias vezes com ameaças de torturas e pancadas se a depoente não concordasse com o que havia sido feito no dito depoimento; ... que na Ilha das Flores lhe tocavam a corneta no ouvido; que o Comandante Clemente entrou no recinto e lhe disse que não podia fazer nada ...”.
Todos esses depoimentos encontram-se no Processo n° 70/69 da 1° Auditoria da Marinha.
Há ainda um depoimento no Processo n° 43/69 da 1° Auditoria da Aeronáutica, de Marta Maria Klagsbrunn, contido da pag. 188 à 190 do Volume III - “As Torturas”. Em 1969 era estudante com 23 anos e fez as seguintes denúncias: “... que o primeiro encarregado do IPM ... não estava de acordo com os métodos empregados na Ilha das Flores, foi afastado e substituído pelo Comandante Clemente que se dedicava a torturar psicologicamente os presos, afim de assinarem o que desejava; quer responsabilizar o Comandante Clemente pelas condições desumanas da prisão da Ilha das Flores”.
Na pag. 28 do volume “Os Funcionários” há uma denúncia contra José Clemente Monteiro feita pela presa política Marijane Vieira Lisboa, contida às pags. 153 e 154 do Volume III - “As Torturas”. Declara em 1969, enquanto estudante com 23 anos, que: “... o Comandante foi afastado do Inquérito e nomeado em seu lugar o Comandante José Clemente Monteiro; que, é essa pessoa, a quem deve atribuir os sofrimentos que lhe foram infligidos, pois além de encarregado do Inquérito, era o Comandante da Ilha”. Este depoimento encontra-se também no Processo n° 43/69 da 1° Auditoria da Aeronáutica.
Em depoimento dado ao GTNM/RJ a ex-presa política Maria Dalva de Castro Bonet afirma que: “Conheci este senhor no DOI-CODI/RJ, em 1972, e lá soube chamar-se Clemente da Ilha das Flores. Eu estava muito doente e já não me alimentava, pois havia perdido o paladar em virtude das torturas sofridas. Estas, eram diferentes da minha prisão anterior: agora eram de privação de sentidos. Mantinham-me viva com injeções de glicose na veia. Eles diziam que haviam feito muitos cursos para chegarem àquele resultado .... Este senhor invadiu minha cela, me espancou e novamente aplicou-me eletro choques para que “confessasse” o conteúdo do relatório sobre torturas que me acusava de ter escrito ...”.
O nome de José Clemente Monteiro aparece numa segunda lista do Projeto BNM, à pag. 62 do mesmo volume “Os Funcionários”, como “Elemento Envolvido em Prisões e Cercos”. É denunciado como Capitão de Mar e Guerra, atuando no Rio de Janeiro. Este depoimento, feito em agosto de 1970, acusa-o de ser funcionário de presídio da Marinha, estando envolvido diretamente em prisões e cercos e consta do Processo 32/70 da 2° Auditoria.
Uma terceira lista, às pags. 89 e 90 do mesmo volume “Os Funcionários”, de “Elementos Envolvidas em Diligências e Investigações”, aponta o nome de José Clemente Monteiro. São duas as denúncias: a primeira, de julho de 1964, indica-o como elemento da Marinha no Rio de Janeiro, participando de diligências e investigações e consta do Processo n° 8216/65 da 1° Auditoria da Marinha. A segunda denúncia é de junho de 1969 e indica-o também como Capitão de Mar e Guerra, atuando no Rio de Janeiro, em diligências e investigações e consta do Processo n° 56/69-S da 1° Auditoria.
Na lista de membros do aparato de repressão do GTNM/RJ, Clemente José Monteiro Filho aparece como tendo feito o Curso de Informações no Panamá e tendo sido Comandante da Ilha das Flores de 1968 a 1970.
Fez a “Escola das Américas” em 1965, participando do Curso “Millitary Intelligence”, no período de 11 de janeiro à 30 de abril.
7 - HÉLIO LIMA IBIAPINA - Na lista do GTNM/RJ aparece como Coronel do Exército em 1964, quando serviu na Companhia de Guardas da 7° Região Militar, no Recife, sendo membro do aparato de repressão.
Atualmente é presidente do Clube Militar no Rio de Janeiro.
Cursou a “Escola das Américas”, ainda como Tenente Coronel, em 1966, tendo se diplomado em “Millatry Intelligence Phase 1”.
Maiores informações ver Dossiê feito pelo GTNM/RJ em anexo.
8 - JOÃO PAULO MOREIRA BURNIER - Na lista do GTNM/RJ há informações de que comandou a III Zona Aérea, estando envolvido no Caso PARASAR em 1968. Participou do CISA - Centro de Informações da Aeronáutica - de 1970 a 1971, tendo sido responsável pelas torturas e morte do desaparecido político Stuart Edgard Angel Jones, em junho de 1971. Tal denúncia foi feita à época pelo preso político Alex Polari de Alverga que testemunhou as torturas de Stuart (arrastado por um jipe, com a boca no cano de descarga do veículo, pelo pátio interno do CISA, na Base Aérea do Galeão) e sua morte. Tais torturas, segundo Alex, tiveram a participação direta de Burnier. Este fato também foi denunciado pelo genro de Stuart, João Luis de Moraes, em um vídeo (Sônia Morta Viva) e em um livro (O Calvário de Sônia Angel nos Porões da Ditadura).
Fez, em 1967, a “Escola das Américas”, ainda como Coronel, diplomando-se em “Military Intelligence Phase 1”, no período de 02 de outubro a 07 de dezembro.
9 - CARLOS ALBERTO CÂMARA BRAVO - Consta na lista de membros do aparato de repressão do GTNM/RJ como sendo Coronel Aviador servindo na Base Aérea de Recife e, posteriormente, em 1973, comandando o Campo dos Afonsos (RJ).
Nos 12 volumes do Projeto BNM, consta o nome de Carlos Alberto Bravo de Câmara, à pag. 196 do volume “Os Funcionários”, na lista de “Membros dos Órgãos da Repressão”. A denúncia foi feita em setembro de 1971, sendo ele Tenente-Coronel aviador, atuando no CISA do Rio de Janeiro. Tal informação encontra-se no Processo 13/72-C da 2° Auditoria da Marinha.
Fez, em 1967, a “Escola das Américas”, graduando-se no “Military Intelligence Phase 1”, no período de 21 de agosto a 06 de outubro e no “Counter Intelligence Off”, de 02 de outubro a 07 de dezembro.
10 - SÉRGIO MAZZA DE AZEVEDO - Consta na lista de membros do aparato de repressão do GTNM/RJ que, como Sargento do Exército, de 1964 a 1969, serviu no PIC - Pelotão de Investigações Criminais - do 1° Batalhão da Polícia do Exército/RJ.
Em 1968, fez a “Escola das Américas”, como 3° Sargento, diplomando-se nos Cursos “Combat Intelligence”, no período de 19 de agosto a 04 de outubro e no “Advanced Radio Rapair”, de 09 de setembro a 13 de dezembro.
11 - BISMARCK BARACUHY AMÂNCIO RAMALHO - Seu nome aparece nos 12 volumes do Projeto BNM em dois tipos de lista no volume “Os Funcionários”. Na primeira, à pag. 65, referente aos “Elementos Ligados a Prisões e Cercos”, há duas denúncias: uma de junho de 1968, colocando-o como Major do Exército, atuando em Pernambuco. Era escrivão de IPM, mas participava de prisões e cercos. Esta denúncia consta do Processo n° 576/68-C da 2° Auditoria da Marinha. A segunda denúncia desta lista é de novembro de 1964, colocando-o como Capitão do Exército, atuando no Espírito Santo, também como escrivão de IPM, mas participando de prisões e cercos. Tal informação encontra-se no Processo n° 39/65 da 7° Região Militar.
A 2° lista em que seu nome aparece por duas vezes, refere-se a “Elementos que Participavam de Diligências e Investigações”. À pag. 88 as denúncias dizem respeito a: em agosto de 1969, como Major do Exército,
atuava no Rio de Janeiro. Tal informação encontra-se no Processo n° 58/69 da 2° Auditoria do Exército. A segunda denúncia é de março de 1965 e aponta-o como Capitão do Exército, atuando em Pernambuco como membro de escolta. Tal informação encontra-se no Processo n° 7735 da 2° Auditoria do Exército.
Bismarck B. A. Ramalho fez a “Escola das Américas”, em 1967, como Major, diplomando-se em “Military Intelligence - Phase II”, no período de 20 de fevereiro a 28 de abril.
12 - JOÃO FLÁVIO DE FREITAS COSTA - Seu nome aparece nos 12 volumes do Projeto BNM, à pag. 100 do volume “Os Funcionários”, como 2° Soldado da Aeronáutica, atuando no Pará em diligências e investigações. Esta denúncia, de agosto de 1969, aparece no Processo n 152/69.
Fez a “Escola das Américas”, em 1967, como 2° Sargento, diplomando-se em “Counter Intelligence”, no período de 26 de junho a 25 de agosto.
13 - FRANCISCO RENATO MELLO - Seu nome aparece nos 12 volumes do Projeto BNM, à pag. 68 do volume “Os Funcionários”, como Capitão Aviador, atuando no DOI-CODI de São Paulo, sendo encarregado de IPM, mas também envolvido em prisões de cercos. Esta denúncia de junho de 1964 encontra-se no Processo n 245/64 da 2° Auditoria do Exército.
Fez “Escola das Américas”, em 1967, como Major, diplomando-se em “Military Intelligence - Phase I”, no período de 21 de agosto a 06 de outubro.
14 - MAURO BATISTA LOBO - Seu nome aparece nos 12 volumes do projeto BNM, à pag. 109 do volume “Os Funcionários”. É denunciado em agosto de 1969, como 1° Sargento do Exército, atuando no Rio de Janeiro, em diligências e investigações. Tal informação encontra-se no Processo n° 58/69 da 2° Auditoria do Exército.
Fez “Escola das Américas”, em 1967, como 1° Sargento, diplomando-se em “Counter Intelligence”, no período de 26 de junho a 25 de agosto.
15 - UBIRAJARA ESCÓRCIO - Aparece nos 12 volumes do Projeto BNM, à pag. 117 do volume “Os Funcionários”, na lista de “Elementos Envolvidos em Diligências e Investigações” com três denúncias. A primeira, de abril de 1967, coloca-o atuando no Rio de Janeiro em diligências e investigações e consta do Processo n° 50/67.
A segunda denúncia, de abril de 1964, aponta-o como 3° Sargento, atuando no Rio de Janeiro, em diligências e investigações e consta do Processo n° 1574 da 3° Auditoria do Exército.
A terceira denúncia, de novembro de 1964, aponta-o também como 3° Sargento, atuando no Rio de Janeiro em diligências e investigações e consta do Processo n° 7.509 da 2° Auditoria do Exército.
Fez “Escola das Américas”, em 1968, como 3° Sargento, diplomando-se em “Combat Intelligence”, no período de 19 de agosto a 04 de outubro.
16 - JOSÉ GOMES DA SILVA - Aparece nos 12 volumes do Projeto BNM, à pag. 180 do volume “Os Funcionários”. A denúncia de agosto de 1964, coloca-o como soldado atuando na Polícia Militar de Pernambuco, como colaborador e informante. Tal informação consta do Processo n° 146/65.
Fez “Escola das Américas”, em 1969, como 2° Sargento, diplomando-se em “Military Police”, no período de 21 de julho a 12 de setembro.
17 - PAULO RUBENS SCHOLOENBACK - Aparece nos 12 volumes do Projeto BNM, à pag. 77 do volume “Os Funcionários”, na lista de “Elementos Envolvidos em Prisões e Cercos”. A denúncia, de outubro de 1969, aponta-o como sendo Capitão da Aeronáutica, atuando em São Paulo em prisões e cercos e encontra-se no Processo n° 197/69 da 2° Auditoria do Exército.
Fez “Escola das Américas”, em 1970, como Capitão, diplomando-se em “Inteligencía Militar para Oficiales”, no período de 05 de janeiro a 24 de abril.
18 - CLODOALDO PAES CABRAL - Seu nome aparece na lista do Grupo Tortura Nunca Mias/RJ, como membro dos órgãos de repressão. Em 1969, era 2° Sargento do Exército, servindo no PIC do 1° Batalhão da Polícia do Exército no Rio de Janeiro. Em 1972, recebeu a Medalha do Pacificador.
Fez “Escola das Américas”, em 1970, como 2° Sargento, diplomando-se em “Inteligencía Militar para Alistados”, no período de 06 de julho a 23 de outubro.
19 - LUCIO VALLE BARROSO - Seu nome aparece nos 12 volumes do Projeto Brasil Nunca Mais, à pag. 08 do volume “Os Funcionários”, como elemento ligado diretamente à tortura.
A denúncia feita em 1971, coloca-o como Capitão, atuando no CISA do Rio de Janeiro (Base Aérea do Galeão) e é feita pelo preso político Alex Polari de Alverga, nos Processos n° 85 da 1° Auditoria da Marinha; n° 89/71-T da 1° Auditoria da Aeronáutica e n° 307/71 da 2° Auditoria da Marinha. Declara Alex que, em 1971, tinha 21 anos e era estudante, e em Auditoria Militar denunciou que: “... foi também interrogado no CISA pelo delegado Sérgio Fleury, que a tortura foi comandada pelo Brigadeiro Delamora, Coronel Alcântara, capitão Lúcio Barroso ... que o declarante também sofreu torturas no CISA, na Base Aérea do Galeão, praticados pelo Brigadeiro Delamora, Coronel Alcântara, Capitão Lúcio Barroso ..., que o declarante veio a saber dos nomes acima referidos por serem notórios torturadores ...; foi encaminhado ao CISA, onde sofreu também torturas (pau-de-arara, choques elétricos, afogamentos e injeção de pentotal); que neste local as torturas lhe foram aplicadas pelo diretor do CENIMAR, pelo Coronel Alcântara e pelo capitão Barroso ...; no CISA passou 25 dias sendo torturado ...”. Estas declarações encontram-se da pag. 222 à 229 do Volume I - “As Torturas”, do Projeto Brasil Nunca Mais.
Na lista do GTNM/RJ, o nome de Lúcio Valle Barroso aparece como membro dos órgãos da repressão, sendo em 1971, Capitão Aviador, atuando no CISA/RJ, e tendo o codnome de Dr. Celso. Em 1972 foi transferido para Brasília.
Fez “Escola das Américas”, em 1970, como Capitão, diplomando-se em “Inteligencía Militar para Oficiales”, no período de 05 de janeiro a 24 de abril. Rio de Janeiro, 07 de junho de 1999
O mundo de Evo
“Felizmente, isso está acabando. No Equador já não haverá mais base militar, na Bolívia, não há base militar”, disse, dando conta do teor de pressão presente nas novas constituições de ambos países. “Com certeza isso os incomoda”, resumiu Morales.
Bem ao estilo franco e nada diplomático, que lhe é característico, acrescentou: “Com que motivos invadiram o Iraque? Armas de destruição em massa… Onde estão? O plano de fundo é o controle do petróleo, por meio de falsos pretextos. Que terrorismo… que eu saiba, o único terrorista que existe no mundo é o Bush, não conheço outro terrorista”.
Ao mesmo tempo, Morales reiterou seu desejo por estabelecer relações respeitosas: “O governo boliviano está disposto a ter relações com o novo governo dos Estados Unidos, dentro de uma cultura de diálogo, uma cultura de amizade, mas não vamos permitir a nenhum governo, a nenhum embaixador, que chegue a conspirar contra a Bolívia – numa referência à expulsão do diplomata americano Philip Goldberg, em setembro, uma medida que, na época, recebeu o apoio de Luiz Inácio Lula da Silva.
A medida ameaçaria uns 20 mil postos de trabalho, sobretudo na indústria têxtil de El Alto, subúrbio de La Paz. “Querem nos castigar, mas não conseguem”, explicou Morales, “São apenas 60 milhões de dólares por ano”, mas Hugo Chávez e Lula garantiram que Venezuela e Brasil estariam dispostos a abrir seus mercados para esta produção.
“Se compartilhássemos das mesmas políticas intervencionistas e de privatizações do sistema capitalista, seguramente os Estados Unidos dariam tudo para a Bolívia! Mas, felizmente, começamos a nos tornar dignos. Precisamos de boas relações com todo o mundo, mas não submissão. Isso acabou. Estamos preparados para nos defender contra o amedrontamento e a chantagem econômica.
A comparação com a Colômbia salta à vista e mostra a hipocrisia da medida do governo dos EUA: Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e o Crime (UNODC), em 2007 os cultivos de coca na Bolívia aumentaram 5%, enquanto que no país aliado de Washington, apesar do apoio bilionário através do Plano Colômbia, eles dispararam 27%. Evo Morales assinala outra diferença: “Nós respeitamos os direitos humanos, reduzimos as plantações em acordo com os movimentos sociais. Antes era militarização, mortos e feridos o tempo todo. Isso acabou”.
Em junho, o presidente indígena havia condenado a nova política de imigração da União Européia como "diretiva da vergonha".
Agora, comentou que o tema veio à tona na reunião fechada apenas com os chefes de Estado, antes do encerramento da Cúpula: “Alguém dizia que o que pagamos por um mês de trabalho é o que se paga por um dia de trabalho nos Estados Unidos. Isto se deve à imigração. Na Bolívia há funcionários que ganham 200, 300 dólares, e estes funcionários preferem ir para a Europa para ganhar 1.000 euros por mês. Isto são as chamadas assimetrias, e os presidentes estão obrigados a discutir isto, se querem imigração com igualdade entre os continentes. Quando expulsam nossos compatriotas, há problemas sociais, botam para fora o pai, a mãe. E os filhos que ficam aí, o que vão fazer com estes filhos?”
Morales tem uma visão otimista: “Há uma rebelião dos povos contra Império”, disse. “Na América Central, em Honduras, Nicarágua e Guatemala, há um processo que torna mais digna nossa região. E se falamos de América do Sul, há o companheiro Chávez, Equador. Em Cuba, Fidel já cumpre 50 anos da revolução cubana. Eu, como dirigente sindical nas décadas passadas, tinha muita vontade de apoiar esta luta solitária de Cuba”.
Apontou a pobreza nos países capitalistas. “Visto a partir de nossa vivência, não é solução nenhuma concentrar tanto dinheiro em poucas mãos, e quando não podem concentrar, há guerras e intervencionismo militar. Ou quando há este tipo de crise, decidem resolvê-la com base no saque de recursos naturais, as privatizações, não apenas de petróleo ou minerais, mas também da água, a privatização dos serviços básicos”.
Sua concepção de socialismo é basicamente estatal: “Nós estamos apostando, dentro da nova Constituição, em que nenhum serviço básico possa ser negociado através do setor privado. Luz, água, telefones, são direitos humanos, portanto, devem ser preocupação do Estado, do governo.”
“Tivemos nossos recursos naturais saqueados, e a aplicação, nos últimos 20 anos, do neoliberalismo, o que foi outro saque, outro roubo. Em 2005, antes de que eu fosse presidente, a Bolívia recebia 300 milhões de dólares pela exploração dos hidrocarbonetos. No ano passado, depois da modificação na lei dos hidrocarbonetos e da nacionalização, a Bolívia recebe 2 bilhões de dólares. Como mudou a situação econômica! A partir de nossa experiência, o neoliberalismo, o sistema capitalista não é nenhuma solução em meu país”.
“O povo boliviano quer transformações profundas, mas na democracia, com o voto do povo. Na Bolívia, as ditaduras militares dos anos 60 e 70 estão sendo substituídas por referendos, às vezes ilegais e inconstitucionais, mas eu saúdo a participação dos setores sociais e da comunidade internacional…”
Continuam aparecendo mais recursos naturais, o petróleo a flor da terra, o ferro a flor da terra, o lítio. Em quase 200 anos, nunca pensaram no país. Criamos um mistério para que planifique o desenvolvimento do povo boliviano nos próximos 50 anos, aproveitando estes recursos.
“Mas é difícil erradicar toda a corrupção, lamentavelmente. Eu posso dar minha cabeça pelo vice-presidente, pelo chanceler, por outros ministros. Mas são tantos funcionários de base que dizem que nos resta pouco tempo e pensam, ‘agora é a minha vez, vou aproveitar’…”.
“Também me ensinaram isso quando eu ganhei a executiva de uma federação de camponeses do Trópico de Cochabamba, em 1988. Chegou um doutor perto de mim, um advogado de gravata – perdão, não estou questionando a gravata, embora haja companheiros que dizem que a gravata separa o pensamento do sentimento”.
“O doutor me disse: ‘Evito, o senhor tem que aproveitar, tem dois anos para aproveitar, e eu vou te ajudar para que aproveite, como gerente da aduana agropecuária, onde se faz dinheiro’”. E eu não podia dizer ao doutor de gravata que não aceitava. Eu não dizia nem sim nem não, mas mentalmente não aceitava”.
Em meados de outubro, foi superada a paralisação do processo constituinte: Majoritariamente, a oposição no Congresso de La Paz selou um acordo com o governo, que cedeu em dois pontos importantes: Evo Morales não se candidatará a uma segunda reeleição em 2014, e as limitações para a posse de terras, de 5 a 10 mil hectares, não serão retroativas. Em janeiro de 2009, o texto modificado da Constituição será submetido a um plebiscito. E em dezembro, haverá eleições gerais.
“Eu já dou por aprovada a nova Constituição”, disse Morales. “Já estamos trabalhando em sua implementação. Precisamos de pelo menos 100 novas leis e a grande dúvida que tenho é se este parlamento pode acompanhar e aprovar novas leis.”
“Quanto à meia-lua, agora é lua cheia. Nunca existirá meia-lua. Há pequenos grupos racistas e fascistas em Santa Cruz. Falam de independência e separação, mas o povo cruzenho aposta na unidade, e esta é nossa alegria, ver esta transformação de consciência”.
“Não há famílias no altiplano que não tenham familiares em Santa Cruz, Beni, Pando, ainda que haja muito racismo. Em Pando, em Cobija, as casas queimadas e saqueadas, foram apenas a dos orinoquenhos, onde nasci. Imagine esta mentalidade racista, de castigar e amedrontar, para que nunca mais estes povos se levantem. Historicamente, sempre quiseram humilhar dessa maneira”
“Por isso, digo que há uma rebelião. Eu acredito nas forças do povo.”
“Esta proposta dos 10 mandamentos, claro, tem muito mais respaldo dentro dos movimentos sociais, não apenas na América Latina, mas também na Europa. Não é a última palavra. Quero que os povos, os movimentos sociais e os partidos políticos a melhorem. Não se trata de buscar apenas uma ratificação, senão de construir uma nova proposta frente ao capitalismo”.
Primeiro: se queremos salvar o planeta Terra para salvar a vida e a humanidade, estamos na obrigação de acabar com o sistema capitalista. Os graves efeitos das mudanças climáticas, da crise energética, dos alimentos e financeira, não são produto dos seres humanos em geral, mas do sistema capitalista vigente, desumano com seu desenvolvimento industrial ilimitado.
Segundo: renunciar à guerra, porque nas guerras não ganham os povos, ganham apenas os impérios, não ganham as nações, ganham as multinacionais. As guerras beneficiam a pequenas famílias e não aos povos. Os trilhões que se destinam à guerra devem ser destinados para reparar e curar a Mãe Terra, que está ferida por causa das transformações climáticas.
Terceira proposta para o debate: um mundo sem imperialismo nem colonialismo, onde as relações devem estar orientadas no marco da complementaridade, e levar em conta as profundas assimetrias que existem de família para família, de país para país, e de continente para continente.
O quarto ponto está relacionado ao tema da água, que deve ser garantida como direito humano e evitar sua privatização e concentração em poucas mãos, já que água é vida.
Como quinto ponto, quero lhes dizer que devemos buscar maneiras de acabar com o desperdício energético. Em 100 anos, teremos acabado com a energia fóssil criada durante milhões de anos. Como alguns presidentes reservam terras para automóveis de luxo e não para o ser humano, devemos implantar políticas para frear os biocombustíveis e, desta forma, evitar a fome e a miséria de nossos povos.
Como sexto ponto: respeito à Mãe Terra. O sistema capitalista trata a Mãe Terra como uma matéria-prima, mas a terra não pode ser entendida como uma mercadoria. Quem poderia privatizar ou alugar, negociar sua mãe? Proponho que organizemos um movimento internacional em defesa da Mãe Natureza, para recuperar a saúde da Mãe Terra e restabelecer a vida harmônica e responsável com ela.
Um tema central como sétimo ponto para o debate é que os serviços básicos, como água, luz, educação, saúde devem ser considerados como um direito humano.
Como oitavo ponto, consumir o necessário, priorizar o que produzimos e consumimos localmente, acabar com o consumismo, o esbanjamento e o luxo. Devemos priorizar a produção local para o consumo local, estimulando a auto-sustentação e a soberania das comunidades dentro dos limites que a saúde e os recursos escassoz do planeta permitam.
Como penúltimo ponto, promover a diversidade de culturas e economias. Viver em unidade, respeitando nossas diferenças, não somente fisionômicas, também econômicas, economias manejadas pelas comunidades e associações.
Como décimo ponto, plantemos o Bem-Estar, não viver melhor às custas do outro, um Bem-Estar baseado na vivência de nossos povos, as riquezas de nossas comunidades, terras férteis, água e ar limpos. Fala-se muito do socialismo, mas há que melhorar esse socialismo do século XXI, construindo um socialismo comunitário ou simplesmente o Bem-Estar, em harmonia com a Mãe Terra, respeitando as formas de vivência da comunidade.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Pobre mundo
Atualizada às 14h51 desta quarta-feira, dia 07.
A Polícia Federal prendeu o dono da fazenda Depósito, Paulo César Quartiero, nesta terça-feira, dia 06 (clique aqui). Pouco antes de ser preso, Quartiero deu uma entrevista a Paulo Henrique Amorim para falar sobre o conflito com os índios da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Dez índios makuxis ficaram feridos num confronto com os seguranças que trabalham na fazenda de Quartiero. Os índios reivindicam a posse das terras e ocuparam uma área da fazenda. Os seguranças da fazenda, que estavam encapuzados, atiraram nos índios.
O coordenador de programas do Conselho Indígena de Roraima Júlio Makuxi disse entrevista a Paulo Henrique Amorim que os homens encapuzados saíram da sede da fazenda e andaram sete quilômetros para chegar ao local da ocupação e atirar nos índios.
Já o dono da fazenda Depósito Paulo César Quartiero disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim que os índios entraram na fazenda e atacaram primeiro os seguranças com pedras e flechadas.
Em tempo: O Ministro (?) Marco Aurélio de Mello declarou seu voto na disputa entre índios e produtores de arroz, em Roraima. Disse ele: “se exacerbarmos a ocupação pretérita” ... teremos que devolver o Rio aos índios. “Ocupação pretérita” ... francamente, só o PiG leva esse Ministro (?) a sério. O Ministro (?) disse também que “todo conflito gera preocupação” ! Isso é um gênio !, diria o Chico Anísio. O Conversa Afiada perguntou ao Presidente do Supremo (provisoriamente, até assumir a Presidência da República), Ministro Gilmar Mendes, se considera o Ministro (?) Mello legalmente qualificado para votar sobre a reserva Raposa Serra do Sol no Supremo, uma vez que Mello já declarou seu voto ao PiG. O Conversa Afiada perguntou também à liderança do PT se não é o caso de interpelar, de novo, o Ministro (?) Mello, já que, de novo, ele anuncia o voto ao PiG, antes de julgar.
Em tempo 2: Hoje, terça-feira, no “Bom (?) Dia Brasil”, Renato Machado e Alexandre Garcia vestiram o chapéu de John Wayne a partiram para cima dos índios. Ficou difícil saber quem era mais corajoso na defesa do homem branco.
Leia as íntegras das entrevistas com Júlio Makuxi e Paulo César Quartiero e conheça as duas versões para o confronto:
Entrevista com Júlio Makuxi:
Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com Júlio Macuxi, que é coordenador de programas da associação indígena da área de Raposa Serra do Sol em Roraima. Como vai, Júlio? Tudo bem?
Júlio Macuxi – Tudo jóia. Estamos na correria, com dez parentes baleados .
Paulo Henrique Amorim – Júlio, você pode me descrever o que aconteceu nesse conflito entre índios macuxi e Ingarikó, que foram feridos a bala? O que aconteceu?
Júlio Macuxi – Na verdade, as comunidades indígenas estão dentro de uma terra homologada, demarcada e registrada foram fazer comunidades indígenas com essa ocupação, como de costume. A gente tem caça, pesca. E fomos surpreendidos por pistoleiros, uma milícia armada e liderados por Paulo César Quartieiro. E já chegaram dando tiros e jogando bombas em cima das comunidades indígenas. E nesse confronto dez indígenas foram baleados e dois em estado grave, que estão internados no hospital. Os outros já tiveram alta.
Paulo Henrique Amorim – É possível identificar esses pistoleiros?
Júlio Macuxi – Olha, nós temos algumas... eles estavam encapuzados esses pistoleiros. Eles saíram da sede da fazenda e atacar a comunidade em torno de 7 quilômetros nós estamos fazendo as casas, já perto da fazenda. E foram de motos, caminhonetes atacar as comunidades indígenas.
Paulo Henrique Amorim – E você disse que eles trabalham ou estavam a serviço de um plantador de arroz, é isso?
Júlio Macuxi – Eles saíram da sede da fazenda, que é posse do invasor Paulo César Quartieiro que, inclusive, está com o pagamento em juízo, do depósito de pagamento da prefeitura em juízo. Então, ele ataca as comunidades indígenas.
Paulo Henrique Amorim – Os pistoleiros saíram da sede da fazenda de Paulo César Quartieiro, é isso?
Júlio Macuxi – Isso. Saíram da sede da fazenda e andaram sete quilômetros para atacar a a comunidade.
Paulo Henrique Amorim – Como é que se chama essa fazenda do Quartieiro?
Júlio Macuxi – Fazenda Depósito. E fica na Raposa Serra do Sol.
Paulo Henrique Amorim – Quantos homens encapuzados eram, você sabe?
Júlio Macuxi – Mais ou menos em torno de cinco pessoas encapuzadas fortemente armadas, mas tinha mais gente que isso, também lá com eles. Mas os que estão na linha de frente, atacando as comunidades, é em torno de cinco a seis pessoas armadas.
Paulo Henrique Amorim – Como elas estavam armadas?
Júlio Macuxi – Revólveres, pelo tamanho da arma, e também espingardas. E bombas, que ficaram jogando nas comunidades.
Paulo Henrique Amorim – Eles atiraram com revólver ou com espingarda ou com os dois?
Júlio Macuxi – Os dois. É uma milícia armada. Eles avançavam em direção à comunidade atirando.
Paulo Henrique Amorim – O Quartieiro, eu leio aqui uma reportagem de Loide Gomes, do jornal O Estado de S. Paulo, ele diz que os índios atacaram ou invadiram a fazenda dele, armados de cacetetes e de arco e flecha, os funcionários disseram que quando tentaram retirá-los, eles atiraram flechas. Então, houve a reação. Alguns índios entraram na fazenda Depósito, do Quartieiro, ou não?
Júlio Macuxi – Não. Não entraram na fazenda. Só para ter uma idéia: as comunidades estão a sete quilômetros de distância da sede da fazenda. E se fossem atacados, eram em torno de 110 pessoas que estão lá para trabalhar. E esse pessoal armado era apenas sete. Se fosse o caso... A gente não foi para o confronto, a gente não atacou ninguém.
Paulo Henrique Amorim – Vocês não jogaram pedra nem usaram arco e flecha nos pistoleiros?
Júlio Macuxi – Não, não. Não foi feito isso porque eles chegaram atirando, jogando bombas e fez as vítimas. Então, na verdade, eles correram dali, mas depois retornaram para juntar as pessoas baleadas.
Paulo Henrique Amorim – Quantos estão feridos?
Júlio Macuxi – Dez feridos.
Paulo Henrique Amorim – Quanto tempo durou o conflito?
Júlio Macuxi – O conflito durou acho que em torno de uma hora. A Força Nacional chegou a tempo de os pistoleiros saírem do local.
Paulo Henrique Amorim – Por que a Força Nacional não prendeu eles?
Júlio Macuxi – Essa é a nossa mesma pergunta. Por que não prende as pessoas que andam armadas, fortemente armadas na terra indígena.
Paulo Henrique Amorim – Quando a Força Nacional chegou eles ainda estavam lá?
Júlio Macuxi – Eles perceberam a chegada dos carros da Força Nacional, da Polícia Federal no local.
Paulo Henrique Amorim – Você descreve isso por que você estava lá ou você ouviu o testemunho de pessoas que estavam lá?
Júlio Macuxi – Eu ouvi testemunhos e vi as fitas gravadas, as filmagens de lá. Eu posso até te passar se você quiser.
Paulo Henrique Amorim – Mas você não estava no local na hora do conflito.
Júlio Macuxi – Não estava no local na hora do conflito, eu só ouvi as testemunhas e vi as filmagens.
Paulo Henrique Amorim – Quem filmou?
Júlio Macuxi – Um cinegrafista indígena, que acompanha o trabalho, lá da própria comunidade.
Entrevista como Paulo César Quartiero:
Paulo Henrique Amorim – Eu vou conversar agora com o produtor de arroz Paulo César Quartiero, que trabalha na fazenda Depósito, que opera na fazenda Depósito, na área Raposa Serra do Sol, em Roraima. Senhor Paulo César Quartiero, eu gostaria de saber o seguinte: eram homens que trabalhavam para o senhor aqueles encapuzados que atiraram nos índios a 7 quilômetros da sede da sua fazenda?
Paulo César Quartiero – Eram funcionários, vigias, da fazenda, sim.
Paulo Henrique Amorim – E por que eles estavam encapuzados?
Paulo César Quartiero – Na realidade, eu não sei. Eu não estava lá, eu não vi. Eu não estava lá e o fato de estarem encapuzados eu nem sei. Vi um filme aqui que passou, mas eu não estava lá. Mas certamente alguma coisa houve, mas eu não sei explicar o por quê.
Paulo Henrique Amorim – Se eles estavam encapuzados, como se pode dizer que eles trabalham para o senhor?
Paulo César Quartiero – Não, isso aí, eu já falei. Eu não estava lá e nem estava também... minha comunicação lá é deficiente. Agora, o pessoal lá... o que a gente tem que entender é a circunstância que as coisas aconteceram. Há até lá uma forte presença da Polícia Federal, que trabalha exclusivamente protegendo um lado, que é o lado dos índios, que é o lado que...
Paulo Henrique Amorim – Senhor Quartiero, antes de entender a posição da Polícia Federal, eu gostaria de entender o episódio que ocorreu lá perto da sede da sua fazenda. Eu pergunto: o senhor não estava no local na hora?
Paulo César Quartiero – Não, não estava. Estava aqui na prefeitura.
Paulo Henrique Amorim – O senhor é prefeito de que cidade?
Paulo César Quartiero – Pacaraima.
Paulo Henrique Amorim – Há quanto tempo fica a sede da prefeitura da sede da fazenda, quantos quilômetros de distância?
Paulo César Quartiero – Em torno de 80 quilômetros.
Paulo Henrique Amorim – A informação que o senhor tem revela o que? Quem atacou quem?
Paulo César Quartiero – A informação que eu tenho, não. Os índios invadiram a fazenda capitaneados pela Funai e entraram lá houve reação e houve o confronto. Nesse confronto se feriu gente. E eles estão lá até hoje. Estão lá dentro da minha fazenda. Invadiram e estão lá até hoje, construíram barraco. Estão lá e a Polícia Federal assiste.
Paulo Henrique Amorim – Os índios invadiram a sede da sua fazenda Depósito?
Paulo César Quartiero – Não, eles invadiram a área da fazenda Depósito, não a sede. Invadiram uma área da frente da fazenda.
Paulo Henrique Amorim – Mas acontece que eu conversei antes com o Julio Makuxi, que é coordenador de programas do Conselho Indígena de Roraima, e ele me disse que esses homens encapuzados viajaram 7 quilômetros para chegar aonde estavam os índios e aí começaram a atirar nos índios?
Paulo César Quartiero – Essa é uma explicação dele. A fazenda, inclusive, acho que não dá essa distância da sede até o local onde eles estavam. Mas tem uma declaração dele aqui no jornal dizendo que, do Julio Makuxi, dizendo que “a ocupação da fazenda Depósito, do Paulo César Quartiero, se deu pela necessidade de ampliar a comunidade Renascer, que fica próximo à cerca de propriedade. Segundo ele, a comunidade Renascer estava sufocada e a área da fazenda Depósito se deu como melhor alternativa para a comunidade”.
Paulo Henrique Amorim – Mas essa é uma discussão que o Supremo via definir: se a área pertence ao senhor ou se a área pertence aos índios. É uma questão que está sub judice, digamos assim. O que eu quero saber é o seguinte: quem iniciou o ataque, foram esses homens encapuzados, que o senhor identifica como sendo homens que trabalham na sua segurança, ou foram os índios?
Paulo César Quartiero – Quem invadiu a propriedade e cortou os 50 metros de cerca? Nós que fomos na comunidade deles ou eles que vieram na fazenda? Eles invadiram a fazenda e houve reação, houve o confronto. Invadiram de forma agressiva, flechando os meus funcionários, e houve esse entrevero e, infelizmente, houve feridos.
Paulo Henrique Amorim – Eu gostaria de entender, então, segundo essa sua descrição. Quem atirou primeiro, os homens encapuzados armados ou os índios com flechas?
Paulo César Quartiero – A notícia que eu tenho é que o pessoal chegou lá e foi flechado.
Paulo Henrique Amorim – Portanto, na sua versão os índios flecharam os homens encapuzados?
Paulo César Quartiero – Exatamente, porque eles foram lá exigir que se retirassem da fazenda e foram recebidos dessa maneira.
Paulo Henrique Amorim – Agora, o senhor considera que o senhor foi invadido, os índios dizem que a terra é deles. Por que o senhor diz que a terra é sua?
Paulo César Quartier - o – Quem vai dizer se a terra é deles ou minha é o Supremo Tribunal Federal. Eu estou aguardando a decisão. E por que eles não aguardam? Por que partem para a violência? Nós estamos aguardando, esperando que o Supremo decida a questão. Vamos acatar a decisão, seja qual for. E eles estão dizendo que não vão obedecer, que a terra é deles e acabou. Eles estão desconhecendo a Lei e partiram para a violência, como sempre fizeram.
Paulo Henrique Amorim – Então, o senhor considera que eles jogando flechas e pedras nesses homens é um ato tão violento quanto os tiros desferidos contra eles por esses homens que o senhor identifica como sendo homens que trabalham para o senhor?
Paulo César Quartiero – Veja bem, a violência, na realidade, é a invasão da propriedade e o desrespeito à decisão da Justiça do Brasil, isso é violência. Agora, o direito de resistir à violência nos cabe. Na verdade, além do direito, nós temos a obrigação de nos defender.
Paulo Henrique Amorim – O senhor sabe que há 10 índios feridos?
Paulo César Quartiero – Sim, sim. Eles foram tratados inclusive aqui no nosso hospital de Pacaraima.
Paulo Henrique Amorim – E no momento qual a sua atitude? O que o senhor vai fazer com esses índios acampados ndessa área que o senhor considera que é sua e que eles consideram que é deles?
Paulo César Quartiero – Já pedi a reintegração de posse na Justiça e vou tratar a questão de forma legal. O interessante é que lá tinha um forte destacamento da Polícia Federal que estava lá para manter a ordem e assistiu a essa invasão sem fazer nada. Então a responsabilidade por essa situação é a atitude do Governo Federal, incentivando a violência dentro de Roraima, dentro do Município. Nós temos aqui há um mês prédios da prefeitura ocupados com a presença da Polícia Federal, temos ameaças constantes de retiradas de não-índios. Eles disseram que em 48 horas iriam retirar todos os não-índios à força, temos a proibição de entrar e enquanto isso a Polícia Federal a passear, a gastar dinheiro público sem fazer nada. Então, aqui, o responsável pela violência chama-se Governo Federal. Outra coisa, o Ministro da Justiça sabia que havia no Supremo Tribunal Federal 33 ações contestando aquelas terras. Como ele mandou esse exército de invasores aqui para Roraima, gastar dinheiro público, intimidar as pessoas de bem aqui? Ele não sabia que o Supremo ia dar essa liminar?
Paulo Henrique Amorim – Quem são as pessoas de bem no seu Estado?
Paulo César Quartiero – São os habitantes do Estado. Aqui nós temos patriotas, trabalhadores. Infelizmente, como em todos os lugares, temos alguns que envergonham, mas nosso povo é trabalhador, é honesto e é responsável por manter a soberania brasileira nesse rincão distante, abandonado. Aqui o Governo brasileiro só se apresenta com exército a fim de pisar e humilhar as pessoas do nosso Estado.
Paulo Henrique Amorim – O senhor acredita que a decisão do Supremo deva sair em quando tempo?
Paulo César Quartiero – Não sei. De Justiça, eu não entendo nada. Eu sou um agrônomo, não entendo de Justiça, simplesmente acredito na Justiça.
Paulo Henrique Amorim – Qual a sua produção na sua fazenda?
Paulo César Quartiero – Nós produzimos aqui em torno de 300 mil sacos de arroz. E temos lá 1.250 hectares de soja e temos também uma 4 mil cabeças de gado.
Paulo Henrique Amorim – O senhor já viu o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio Mello?
Paulo César Quartiero – Não, ele comentou. Aquilo não é voto. Ele comentou alguma coisa. Em questão de Justiça eu não dou palpite porque não é minha área.
sábado, 27 de setembro de 2008
UMA RESPOSTA AO TEXTO: PRÓXIMA GUERRA
UMA RESPOSTA AO TEXTO: PRÓXIMA GUERRA
ou
POR QUE RORAIMA É TÃO ANTI-INDÍGENA?
ou aindaMITOLOGIAS GÖEBBELIANA
Por: Raoni Valle - Pesquisador bolsista
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Núcleo de Pesquisas em Ciencias Humanas e Sociais - NPCHS
“Um olhar crítico interno ao Brasil explica muito mais a natureza dos problemas que temos hoje em Roraima e na Amazônia brasileira, do que ficarmos buscando ameaças externas, tio sam & cia, e lavarmos nossas mãos enquanto cidadãos brasileiros mil maravilhas. A propaganda da havaiana de que só nós podemos falar mal de nós mesmos, nem sequer se aplica aqui.”
Vivo e trabalho aqui na Amazônia faz mais de 3 anos como arqueólogo do Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (NPCHS) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), no AM e em RR. Desenvolvo dois projetos com povos indígenas, em articulações com ong’s e com as universidades federais e estadual além dos próprios governos estadual e federal. Inclusive já estive na Raposa Serra do Sol e fui muito bem recebido pelas lideranças e população Makuxi e Wapixana, apesar das ações de milicianos de fazendeiros promovendo incêndios criminosos que cercaram nossa comitiva e nos deixaram presos numa ponte por horas em 2005 na saída da TI.
Acredito que esta pesquisadora, suposta autora ou redatora/relatora do texto “Próxima Guerra”, está completamente equivocada e está reproduzindo um discurso propositalmente construído pela grande mídia do sudeste, setores do Congresso, Senado e Palácio do Planalto apoiados e representando oligarquias agropecuárias de Roraima, do Mato Grosso, Rondônia, Pará, Goiás, SP, etc. Além de setores das próprias forças armadas interessadas na fragmentação das terras indígenas amazônicas, inclusive fora das áreas de fronteira. Um discurso perigoso, mal informado e mal informador que já faz tempo circula de email em email pela internet fazendo a cabeça da molecada.
A função estratégico-política desse discurso é essa mesma: formar uma opinião pública anti-indígena no Brasil como tem feito “excelentissimamente” em Roraima, o estado mais anti-indígena do Brasil, provavelmente. Assista o jornal da band com Boris Casoy, os comentários de Carlos Chagas e do âncora Nascimento no jornal do SBT, todos eles seguem a mesma linha de discurso, já conhecido por nós indigenistas, Joelmir Betting (acho que não é mais globo) e William Wack do jornal da globo não ficam atrás. Quando se encontra uma uniformidade geral nas posições noticiadas em telejornais de emissoras concorrentes pode coçar a barba.
Conheço razoavelmente Roraima, estive por duas vezes em pesquisas arqueológicas dentro de terras indígenas lá. E há muito tempo escuto o discurso paranóico norte-americanista espalhado por toda a Amazônia, pois inclusive eu fui partidário dele, antes de conhecer parcialmente a realidade complexa da Amazônia brasileira (e, como veremos, ele não é tão paranóico assim, pois existem elementos concretos para sua manifestação, mas têm que ser tratados com ponderação). E posso assegurar à minha consciência que o menor dos problemas da Amazônia brasileira é os Estados Unidos da América.
A falta de políticas públicas, sócio-ambientalmente, justas e sustentáveis, corretamente e democraticamente definidas, no âmbito das diretrizes dos governos é o pior problema da Amazônia hoje. As Terras Indígenas contínuas são as áreas melhor conservadas, mais do que unidades de conservação como Parques Nacionais (sonho dos Biólogos) e reservas extrativistas. As terras indígenas contínuas são os maiores exemplos da ineficácia das políticas públicas na floresta tropical brasileira, pois mostram que por sua autonomia na utilização dos recursos naturais, não pautadas, em sua maioria, pela lógica do mercado, se converteram em refúgios conservacionistas, e contrastam com estados como Mato Grosso, Pará e Rondônia que se converteram em anti-exemplos da conservação, possuem as oligarquias do agrobusiness mais influentes em Brasília, junto aos setores mais retrógrados e perigosos, do desenvolvimento de qualquer jeito, dentro do Congresso, Senado e Palácio do Planalto, inclusive em direta articulação com o agrobusiness roraimense. Atropelar uma das constituições mais libertárias do mundo democrático é só uma questão retórica para esse pessoal.
A opinião desta senhora mostra um desconhecimento total da legislação indigenista brasileira, da constituição de 88, da História político-ambiental de Roraima e da Amazônia brasileira. Junta um monte de pseudo-fatos, generalizações e pseudo-argumentações como a classificação da ONU sobre nação aplicada à questão indígena no Brasil. E mostra também que (infelizmente) a estratégia de massificação de uma opinião pública anti-indígena no Brasil está dando certo. Inclusive entre pessoas estudadas e “bem informadas” como a classe dos pesquisadores. Mas que também são “ideologisáveis” porque são gente! E, além disso, têm partições políticas, muitas vezes, não declaradas, mas, normalmente do lado de onde deriva o financiamento. Bem, há pesquisadores e Pesquisadores.
Por que Roraima é tão anti-indígena?
RR era território federal até 89 e foi garantido historicamente ao Brasil pela presença massiva de povos indígenas que escolheram negociar com os Portugueses e lutar ao lado desses contra seguidas tentativas de invasão estrangeira, desde o século XVII. A região foi assolada primeiramente pelas frentes holandesas da Companhia das Índias Ocidentais até meados do século XVIII e depois pelos ingleses, até final do século XIX. Um dos fatores para a desistência da Inglaterra foi a questão lingüística que, entre muitas etnias, é política e territorial ao mesmo tempo, pois a segunda língua politicamente e historicamente optada e falada pelos indígenas de RR foi e é o português. Embora falem tranquilamente em Ingarikó, Wapixana, Yanomami ou Makuxi com seus parentes indígenas da Venezuela e da Guiana, falantes em segunda língua de espanhol e inglês respectivamente (sim se fala inglês na Guiana, não porque os índios são vendidos aos norte-americanos, mas porque a colonização histórica foi britânica e a população é uma mistureba de indianos, jamaicanos e indígenas sul-americanos e não se iludam a CIA na América do Sul fala castelhano).
O Povo de Roraima até meados da década de 70 era composto, basicamente, por: Maciçamente indígenas de diversas etnias, efetivos militares e alguns grupos de garimpeiros ilegais em terras indígenas, bem como, algumas frentes extrativistas, como o caucho, a seringa, exploração de madeira, mais na parte sul de Roraima por onde entraram paraenses, amazonenses, maranhenses, cearenses, pernambucanos, etc. Os "Pobres" basicamente, que com o tempo alguns poucos foram se enriquecendo com a pecuária entre outras formas. Esta era Roraima que sempre conservou sua natureza territorial estratégica nas mãos dos indígenas que historicamente e politicamente se aliaram aos portugueses e depois ao Estado brasileiro.
Havia uma minoria de colonos Gaúchos, Goianos, Paranaenses, do centro-sul de maneira geral, que desde fins dos anos 70 foram sendo implantados por subsídios dos governos militares, para aos poucos irem “desindiando” o território e “civilizando", "desenvolvendo" aquela porção. Comungavam uma visão racista que só os colonos de descendência européia recente, alemães ou italianos é que tinham capacidade de criar uma nação, e assim vieram a compor uma elite fundiária desenvolvimentista, dentro da ideologia integracionista e desenvolvimentista desastrosa dos anos 70 militarizados. O problema do Quartieiro em Pacaraima e de outros arrozeiros latifundiários "Gaúchos" começa por essa época, e o acirramento dos problemas das etnias indígenas também, que contabilizam hoje 3 décadas de guerra de baixa intensidade e de conflitos armados com milícias implantadas nas fazendas atuando fora delas, os jagunços de Roraima, de maneira ininterrupta.
Transformar Roraima de território federal em estado federativo, implicava em reconhecer o status das terras indígenas como tais. A constituição de 88 trouxe esse aparato legislativo e jurídico, foi então reconhecido de fato o direito anterior dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais que eram praticamente as mesmas desde o início da colonização européia das Américas até os anos 80 do século XX, e isso foi matizado na Constituição. A grande maioria das ocupações não-indígenas no estado de Roraima é dos anos 70 em diante. Foram feitas conscientemente e na base da violência e opressão em cima de territórios indígenas conhecidos e reconhecidos oficialmente nos últimos 30 anos, ou seja, são na maioria constituídas numa base jurídica de má fé, e, portanto, a rigor ilegais.
De certa forma, o que os portugueses fizeram nos séculos XVI, XVII e XVIII no Brasil indígena, os colonos arrozeiros e pecuaristas centro-sulestinos, os militares e uma massa empobrecida de imigrantes nordestinos e nortistas (esses desde bem antes e com menos poder de fogo) veio fazendo desde os anos 70 até hoje em Roraima, já com uma base legal de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Portanto, foi até pior do que a colonização histórica. Foi mais perversa e vergonhosa.
A falta de uma identidade com a Terra é a única coisa na argumentação da referida pesquisadora que parece proceder do ponto de vista de demonstrar que o estado de Roraima possui uma população não-indígena e "não Roraimense" implantada recentemente, uma colonização recente que se encaminha para sobreocupar terras indígenas pretéritas, historicamente e juridicamente reconhecidas. Um conflito iminente já era previsível nos anos 70 quando essa política desastrosa de colonização e etnocídio dos governos militares começou a ser implantada. Gerou um monstro ideológico-administrativo, pós-democratização, anti-indígena rizi-bovino que temos hoje no governo de Roraima e em sua elite política.
No caminho entre os militares setentistas e Roraima estavam os Waimiri-Atroari. Os Waimiri-Atroari eram duas etnias diferentes que foram quase exterminadas pelos governos militares e frentes extrativistas nessa época. Sobreviveram cerca de 130 índios das duas etnias que foram ajuntados para garantir uma mínima reprodutibilidade cultural e física. A abertura em suas terras da BR 174 nos anos 70, foi a pior coisa que lhes aconteceu, e depois nos anos 80 foram coroados com a hidro-elétrica de Balbina, um fiasco energético, um Mamute Branco, que destroçou a bacia do rio Uatumã, principal rio do território tradicional dos Waimiri-Atroari. Não é gratuito, portanto, terem escolhido a partir de 88, é claro, manterem distância dos Brancos, arbitrariedades militares e das políticas de integração e geração de energia, além da história nos relatar que muitos índios pereceram por balas do fuzil Belga FAL.
NÃO ENTRAR NA TERRA INDIGENA WAIMIRI-ATROARI DEPOIS DAS 18:00 HORAS ATÉ AS 6 DA MANHÃ, PELA BR 174 É UMA REGRA GERAL APLICADA A TODOS. É UM ACORDO FORMAL COM O GOVERNO FEDERAL BRASILEIRO RESPEITADO POR AMBAS AS PARTES E NÃO UMA ARBITRARIEDADE INDÍGENA PRÓ-YANKEES. È O MÍNIMO QUE LHES SOBROU EM RESPEITO À PAZ DE ESPÍRITO MASSACRADA.
Um olhar crítico interno ao Brasil explica muito mais a natureza dos problemas que temos hoje em Roraima e na Amazônia brasileira, do que ficarmos buscando ameaças externas, tio sam e cia, e lavarmos nossas mãos enquanto cidadãos brasileiros achando que somos as mil maravilhas. A propaganda da havaiana de que só nós podemos falar mal de nós mesmos, nem sequer se aplica aqui.
O PROBLEMA DA AMAZÔNIA É NOSSO, NÃO PORQUE A AMAZÔNIA O É, POIS ISSO É UM FATO INDISCUTÍVEL. O PROBLEMA DA AMAZÔNIA É NOSSO, PORQUE FOMOS NÓS QUE O CRIAMOS, E, PORTANTO, PESA SOBRE NÓS A RESPONSABILIDADE DE RESOLVÊ-LO COM SOBRIEDADE E AVALIANDO SUAS CAUSAS DE MANEIRA CORRETA.
Existem ameaças externas sim à Amazônia: a Colômbia é quintal da CIA que, há quem diga, está afirmativamente trabalhando para um golpe de Estado na Bolívia; a bio-pirataria é outra bronca real, norte-americana, japonesa, francesa, alemã, etc. embora hoje existam mecanismos de controle que nos anos 80 e 90 não existiam. Missionários protestantes norte-americanos, cripto-missionários fantasiados de lingüístas antropólogos, de grupos como o SIL e Jomon estão soltos pra cima e pra baixo atuando em etnias pouco contatadas dentro do estado do Amazonas. Esses caras são reais, não são “ongueros” da CPI das ONGs, são Igrejas Evangélicas norte-americanas podres de rica que descem de hidro-avião nas TI’s, com telefonia de satélite, e nem a Funasa, nem a Funai conseguem ter as entradas que esses caras têm, na precariedade da assistência estatal, esses caras fazem a festa desautorizada pela União, mas sob a bandeira da liberdade de crenças religiosas. Mas é interessante como essas estórias não são contadas e viram lendas de cidades perdidas na floresta. Quem anda dentro dessas matas, como nós, é que sabe o que é que ta pegando de verdade, não precisamos inventar mitologias paranóicas convenientes.
Mais ameaças externas: Venezuela pode virar um pepino sul-americano gigante em cima da gente a qualquer momento (embora Chavez tenha plena consciência da importância do Mercosul e de seus vizinhos como um Buffer Zone para suas despirocações, e se os democratas assumem lá em cima, podemos ter uma descompressão do cenário). Bem, antes CHÁVEZ do que URIBE e a CIA.
Mas também existem aliados externos da Amazônia. Existe uma grande discussão global legítima sobre o meio ambiente, sobre mudanças climáticas, sobre equalização das diferenças sociais e econômicas, sobre os ecossistemas prioritários para conservação no mundo e a Amazônia e os povos amazônicos estão integrados nela. PORTANTO, NÃO ADIANTA O BRASIL DISCUTIR A AMAZÔNIA SOZINHO. DE IMEDIATO EXISTEM OUTROS 8 PAÍSES QUE DISCUTEM DIRETAMENTE CONOSCO O FUTURO DA AMAZÔNIA. A AMAZÔNIA É UMA QUESTÃO SUL-AMERICANA ANTES DE SER BRASILEIRA PORQUE OS ECOSSISTEMAS ESTÃO INTEGRADOS E NÃO SE SEPARAM POR FRONTEIRAS GEOPOLÍTICAS DAS NAÇÕES NÃO-INDÍGENAS.
Enfim, nós “indigenistas” que trabalhamos com a questão indígena no Brasil nos últimos anos, temos visto essa argumentação ideológica crescer em força e se popularizar. Inclusive em Roraima que, como dito acima, figura entre os estados mais anti-indígenas do Brasil, não sendo por acaso que 54% de suas terras sejam indígenas e gerem, aparentemente, o propagado engodo anti-desenvolvimentista. A cifra divulgada de 70% de terras indígenas em RR é mais uma manipulação Göebbeliana ninja e sacana. UMA MENTIRA REPETIDA MIL VEZES VIRA UMA VERDADE.
Não sei se esse papo explica porque RR é tão anti-indígena, mas faz um sentido arretado na minha cabeça!
Para finalizar só mais alguns dados:
1 - A Constituição federal brasileira pauta o Brasil e não a ONU. Na Constituição brasileira não se faz menção a nações indígenas. Nela expressões como Terras Indígenas; Povos Indígenas; Etnias Indígenas; Grupos Indígenas; ou Populações Indígenas são termos mais próprios, com responsabilidade jurídica e rigor antropológico.
2 - As Terras Indígenas pela Constituição federal são propriedades do Estado Brasileiro que concede o direito de usufruto dos recursos naturais, excetuando grosso modo, mineralógicos, hidro-energéticos e arqueológicos para os quais é reservada a prerrogativa do Estado no seu uso. A fiscalização, controle, permissão de entrada e saída, portanto, a administração das terras indígenas dentro do espaço nacional federativo, em interface com o território nacional e em fronteiras internacionais é responsabilidade da união e de suas partes constitutivas, como Forças Armadas, Polícia Federal, etc. Estes têm livre acesso às Terras Indígenas desde que pautados em demandas oficiais do Estado Brasileiro, legalmente sancionadas e corretamente acordadas com as demandas das populações indígenas. A rigor, as Terras Indígenas são espaços diretamente controlados pelo Estado Brasileiro, que tem pleno poder de trânsito nelas por constituir sua propriedade inalienável, incluindo aí a ação dos militares no Estado Democrático de Direito. Portanto, são áreas de "segurança nacional" das mais protegidas, e os indígenas funcionam aí como os principais "funcionários" do poder público, no controle e na preservação desses espaços. O que vêm fazendo historicamente.
Portanto, a discussão sobre o temor da soberania e independência das terras indígenas é infundada e alarmista, além disso, é intencionalmente manipulada e manipuladora. Pior que isso é a discussão de que as decisões indígenas são manipuladas por ongs estrangeiras em prol das prerrogativas de Estado Norte-americanas, sempre. Coitados dos abastados Noruegueses (cujos únicos problemas são os suicídios de seus jovens e as únicas ambições são dar sentido às suas vidas) que, dentre os gringos, são dos que mais financiam projetos indígenas.
3 - Afirmar pelo retrocesso ou redimensionamento das terras indígenas como hoje estão homologadas, ou em processo de demarcação e homologação, significa expressamente torná-las disponíveis à apropriação privada, entre outras modalidades. Ora, se a propriedade é privada ela passa a ser controlada por um cidadão com plenos poderes de negociar aquela posse com qualquer instância, inclusive com grandes conglomerados agro-exportadores transnacionais, o que já vem acontecendo em grande parte do Mato Grosso, Pará, Goiás, Ceará e em outros estados brasileiros. Se não pelo agro-negócio pela indústria internacional do turismo, é o caso dos espanhóis no litoral do Ceará, que ouviram do governo estadual que na Terra Indígena Demarcada Tremembé de Almofala não havia índios, só uns pescadores safados manipulados por uma ong para se fingirem de índios. Gerou uma das frases clássicas do anti-indigenismo: "E no Ceará tem índio?" qualquer semelhança com Roraima não é mera coincidência.
A lógica foi invertida, da propriedade privada para a propriedade do Estado. É essa Inversão lógica que tenta se afirmar pelo discurso da pesquisadora ou de suas fontes, que são meras reprodutoras (in?)conscientes de uma manipulação Göebbeliana da era informacional: a de que são as terras indígenas e não os latifúndios do agronegócio uma ameaça à soberania nacional.
Há também uma oposição que se camufla, se traveste: de um lado os Índios da Raposa que são acusados de serem influenciados por ongs estrangeiras pró-estados-unidenses, como a TNC ou TNT, sei lá, atrás do Nióbio (Ni 41) dentro das terras da União. A Raposa é do Estado Brasileiro, as terras são inalienáveis, ninguém pode mexer no nióbio salvo a União, e o usufruto dos índios de maneira nenhuma impede fiscalização do Estado Brasileiro pela PF ou pelas Forças Armadas, a mesma se não ocorre adequadamente não é por conta dos Índios, é porque o dono do quintal não limpa seu terreiro como deveria. Quem afirma o contrário desconhece profundamente a realidade das Terras Indígenas e a Constituição Federal Brasileira; de outro lado estão os Arrozeiros, que são sim invasores históricos, e legitimados pelo governo do estado de Roraima, mas são veiculados na mídia como produtores responsáveis pelo desenvolvimento nacional, pais de família, produtores de alimentos para as populações de Manaus e Boa Vista. A questão não é a função desempenhada por esses setores, mas a que custo, e com qual legitimidade ocuparam aquelas terras, e pior: através de quais processos. Pois são sim perpetradores de porte ilegal de armas, formação de quadrilha, pistolagem, homicídio doloso premeditado, ameaça à vida, roubo de terras federais, incitação ao ódio e ao crime racial e etnocídio. Tudo isso para se plantar arroz ? Isso não é só em Roraima, essa receita diabólica é lugar comum em todas as partes do Brasil onde se está tendo conflito por Terras Indígenas. Quem trabalha com índio está acostumado a lidar com isso sem o filtro dos telejornais.
È fato histórico repetido na América Latina como um todo desde o século XVI o que se tem feito de espoliação das terras indígenas e dos direitos anteriores dessas gentes. O que se tem passado em Roraima nos últimos 30 anos é explicitamente uma tentativa de limpeza étnica balcânica, limpar os territórios dessas gentes, como erva daninha e produzir para o agronegócio, rachar o solo, detoná-lo para produzir arroz, depois soja depois gado, depois o quê??? Francamente, existem muitas outras alternativas de geração de recursos alimentares que não estão pautadas necessariamente em violação dos direitos humanos e na usurpação das terras da União Federativa Brasileira, para não dizer em assassinato em massa. Deslocar esses povos de seus territórios tradicionais e forçá-los a serem sub-empregados de latifundiários centro-sulestinos, seus piores inimigos, é decretar o fim dessa gente, é caminhar para o etnocídio de Estado em larga escala em Roraima. PREFIRO PASSAR SEM COMER ARROZ!
Na verdade, se fôssemos uma população politicamente amadurecida, em termos de valores éticos, já teríamos feito boicote ao consumo de arroz “alma sebosa” de Roraima.
Minha gente (sem paráfrase Collorida): O CAPITAL DO AGROBUSINESS NÃO TEM FRONTEIRA, OS POVOS E AS TERRAS INDÍGENAS TÊM E SÃO BRASILEIRAS!!!
No caminho objetivado pelo Inpa para a consolidação de um Grupo de Assuntos Estratégicos ou Núcleo de Altos Estudos seria interessante se ter clareza para afirmar que ciência e política estão juntas na discussão de assuntos estratégicos e na contribuição efetiva nos debates relevantes que estão em curso como a Raposa Serra do Sol e a situação dos Povos Indígenas Amazônicos e suas Terras como um todo.
Achar que ciência está em isolamento axiológico é ingenuidade para não dizer que é intencionalmente pensado para escamotear posições políticas não declaráveis implícitas nos objetivos e justificativas de pesquisa. A questão indígena não é política, é antes de tudo ética, e se queremos continuar fazendo pesquisa na Amazônia de maneira ética, temos de nos posicionar no debate sobre as terras indígenas e seus povos de maneira correta e sem ambigüidade, até, pois, muitos dos colegas da casa trabalham em terras indígenas e têm algum tipo de conhecimento de causa. SER INDIGENISTA NÃO É SER POLÍTICO, É SER ÉTICO!!! Portanto, é possível ser científico na temática indígena desde que se seja ético.
Leiam a Constituição, leiam o voto do Ministro Ayres de Britto, conheçam a realidade das lutas indígenas nesse país e parem de se informar pelo Carlos Chagas ou pelo Boris Casoy. Analistas de conjuntura nunca foram fontes confiáveis historicamente.
E principalmente: biólogos, cientistas ambientais e da terra, que andam pela Amazônia enriqueçam epistemologicamente suas almas com a antropologia, a história, a sociologia, a arqueologia, a geografia e a economia antes de falarem em meio ambiente, povos amazônicos, em conspirações internacionais e em babilônias correlatas.
Raoni Valle - Pesquisador bolsista
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA Núcleo de Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais - NPCHS
Pesquisador colaborador -
Projeto Amazônia Central - PAC - MAE/USP