sexta-feira, 28 de março de 2008

Veto feito, veto mantido

Num país sem justiça, o crime compensa e muito! Olhem a alegria dele!
Após intervenção de Sarney, oposicionistas desistem de derrubar dispositivo que permitiria a penhora de imóveis de luxo como a mansão de banqueiro
Fiel ao seu estilo discreto e persuasivo, o senador José Sarney (PMDB-AP) articulou nos bastidores e convenceu a oposição a manter o veto presidencial que beneficia diretamente o seu amigo Edemar Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos. Os oposicionistas desistiram de derrubar o item 18 dos 74 incluídos na cédula que os deputados e os senadores votaram secretamente ontem (27), dois anos e três meses após a última sessão conjunta realizada para analisar os vetos da Presidência da República.
Como mostrou com exclusividade o Congresso em Foco no último dia 6 de março, na Mensagem de Veto 1047, de 6 de dezembro de 2006, o presidente Lula atendeu a um pedido de Sarney e derrubou um dispositivo da Lei 11.328/06. A nova norma facilitaria as cobranças judiciais por meio de penhora de imóveis de luxo e de altos salários. Desde aquela época, Cid Ferreira está às voltas com uma tentativa de penhora de sua mansão, avaliada em R$ 50 milhões, em São Paulo.
O ex-presidente da República nega a interferência em favor do amigo, mas, logo após a publicação da reportagem deste mês, procurou o senador Alvaro Dias (PSDB-PR), um dos oposicionistas ouvidos pelo site, que anunciou que iria propor a derrubada desse veto. Sarney conseguiu convencer o senador paranaense e a bancada tucana a desistirem da idéia. O Banco Santos sofreu intervenção do Banco Central em novembro de 2004 e deixou um rombo de R$ 2,3 bilhões aos seus clientes e credores.
Pelo telefone
Ontem, ao ser questionado pela reportagem sobre o apoio da oposição à manutenção do veto, Alvaro Dias confirmou que chegou a receber uma ligação e um e-mail de Sarney, contestando as declarações prestadas pelo tucano ao Congresso em Foco. Segundo o vice-líder do PSDB, o peemedebista enviou as justificativas dadas pelo Palácio do Planalto para o veto e afirmou que nada tinha a ver com a derrubada do artigo, que acabou favorecendo, entre outros, o ex-dono do Banco Santos.
"É intrigante o governo vetar um projeto do próprio governo. Apenas isso coloca o governo sob suspeita. O veto deve ter tido endereço certo. Vamos trabalhar para derrubá-lo", disse ao site Alvaro Dias no início do mês. Ontem, depois de confirmar que foi mesmo procurado por Sarney, o tucano evitou comentar o assunto.
Oficialmente, de acordo com a assessoria do PSDB, esse veto foi mantido porque o governo havia prometido tratar da matéria em um projeto de lei específico. Até agora, no entanto, nada foi enviado ao Congresso.
A assessoria de imprensa do senador José Sarney negou que ele tivesse qualquer participação no veto. Segundo os assessores, o senador está viajando e, por isso, não acompanhou as discussões sobre a análise do veto no Congresso. Discursos
Procurado pela reportagem no inicio do mês, o ex-presidente tambem havia negado ter envolvimento com o veto. Mas o seu empenho pela derrubada do artigo pode ser comprovado no registro das notas taquigráficas. Logo apos a aprovação do projeto que resultou na Lei 11.382/06 Sarney ocupou a tribuna da Casa para criticar a nova norma. “É bem de família e se quer assegurar que a família tenha o direito de morar”, afirmou o senador, em 5 de dezembro de 2006, citando a Lei 8.009/90, que ele criou em seu governo e que instituiu a “impenhorabilidade” da casa própria. Um dia depois de o presidente Lula vetar o artigo reclamado, o ex-presidente voltou à tribuna, dessa vez para agradecer ao Planalto pela sensibilidade. “Eu pedi [...] que o presidente fosse sensível e que vetasse esses dois dispositivos. O nosso líder de governo comunicou-me, bem como o ministro da Justiça esta manhã que o presidente vetaria os dois dispositivos”, anunciou na época o peemedebista.
O governo usou o argumento de Sarney, citando a Lei 8.009, para alegar que o tema – que foi provocado pelo próprio Executivo – precisava ser vetado para ser rediscutido pelos parlamentares. A proposta tramitou durante dois anos no Legislativo. O líder do PPS, deputado Fernando Coruja (SC), que também defendeu a derrubada desse veto também não teve força para convencer seus comandados. Apesar de encaminhar o voto contra o veto, foi obrigado a liberar a bancada, pois alguns deputados do partido se declararam favoráveis à decisão da Presidência da República.
"Acho o projeto válido, assim como todo o Congresso, que aprovou o texto do governo sem alterações. A questão agora é saber quem é contra esse projeto que foi consenso nas duas Casas. Vamos apresentar proposta para derrubar esse veto", disse Coruja ao site no último dia 6 de março.
Malefício do veto
Ex-juiz da 18ª Vara Federal de Brasília, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) acredita que a manutenção do veto prejudica as ações da Justiça. “A impenhorabilidade está ligada a um fim. Quando íamos arrestar uma mansão de R$ 1 milhão no Lago Sul, o sujeito dizia: 'Não, é bem de família',” exemplifica o parlamentar, que integra a base governista.
Segundo o deputado do PCdo B, a impenhorabilidade do bem de família é correta quando se articula com o direito à moradia, à geladeira, ao fogão, mas não em casos de imóveis de luxo. "Você compõe um núcleo básico da vida digna. O que extrapola isso, esse núcleo básico da vida digna, deve ser penhorado”, apregoa.
O deputado também rebate o argumento de Sarney de que a impenhorabilidade absoluta não existe hoje e que, se o juiz quiser, pode penhorar bens de pessoas que têm mais posses. “Não, não pode. A Lei 8.009 não permite. Eu sei que o senador Sarney tem uma ligação sentimental com essa lei, foi feita no governo dele”, afirma. “A lei vetada estava correta, estimulava o adimplemento [o ato de pagar as contas em dia] e amplia o mercado de crédito. O que justifica, do ponto de vista social, quem tem um patrimônio de R$ 1 milhão não pagar o seu débito? Nada”, completa.
Flávio Dino também lembra que o veto acaba restringindo até mesmo o crédito para populações mais carentes. “O veto está restringindo o mercado de crédito dos mais pobres. Quem paga pela inadimplência do poderoso são todos os tomadores de empréstimos, inclusive os mais pobres”, observa. “As camadas mais pobres dependem de um mercado de crédito mais acessível”, pondera o deputado maranhense.
Na sessão de ontem, o Plenário decidiu não derrubar nem um dos 74 vetos presidenciais analisados. Isso só seria possível com a maioria absoluta dos votos, ou seja, o apoio de 257 deputados e 41 senadores.

Fonte: http://congressoemfoco.ig.com.br/Noticia.aspx?id=21607

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