quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Tô de Férias

O autor com um grande prato de açai com farinha e camarão seco

Gente, perdoem a falta de noticias, mas, estou de férias, por isso, aguardem novas matérias a partir do dia 20 de janeiro.


Um comentário:

Anônimo disse...

Aproveite bem suas férias caro Otto e também o açaí com camarão.
Aproveito e te mando um texto do Lúcio Flávio a respeito do aniversário de Belém.Clica no link no final do texto.

abraços

Luiz Cláudio
12.1.08
Ai de ti, Belém
Por Lucio Flavio Pinto, na mais nova edição do Jornal Pessoal, nas bancas.


O jornal inicia o ano servindo-se de um dos mais pungentes textos da literatura brasileira, no mais genuíno dos seus gêneros: a crônica. A que Rubem Braga escreveu há meio século serve de abre-alas para o ano que começa. Espera-se que realmente novo. Troque-se Copacabana por Belém e a mensagem será certeira.


Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.
Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.
Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniqüidades e de tua malícia.
Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.
Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão.
E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.
E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska.
Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.
Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.
Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.
Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.
Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.
Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.
E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações.
Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?
Antes de te perder eu agravarei s tua demência — ai de ti, Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teu próprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.
E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará.
E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas.
Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas foram as tuas mazelas; já se
incendiou o Vogue, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.
A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará.
Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!

Foi assim, tomado por esse furor bíblico, que Rubem Braga começou o mês de janeiro de 1958 no alto da sua cobertura, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Há exatamente meio século, esse capixaba de espírito forte e aparência intimidadora (um urso sentimental, como se dizia) escreveu a mais bela crônica que já li na minha vida. Ela me veio à memória, no final do ano passado, ao tomar ciência de que uma menina de sete anos se afogara na piscina do Clube do Remo, manhã já alta, e nenhum dos integrantes do “senadinho” azulino, que ali se reúne para conversar e comemorar, se levantara para ao menos ir ver a tragédia, manifestar solidariedade à família abalada pelo acidente brutal. A menina chegara ao clube com irmãos e amigos, escapara à fiscalização de todos, pulara o alambrado e nadara para a morte, absurda, inútil, mas que ali estava, materializada, sem provocar a devida comoção.
Ai de ti, Belém, pensei, tomando de empréstimo a Copacabana do cronista irado – e inspirado. Ai de ti, metrópole da Amazônia, que desconheces teus domínios, que renuncias às tuas responsabilidades, que te isolas nos altos das torres de aço e concreto, que se multiplicam, como poleiros da alienação. Ai de ti, cidade de seres frívolos, que armam-se de armaduras cômodas de griffe ao amanhecer e vão para os seus templos do corpo são em busca dos modelos sarados de Apolos sem alma. Que só circulam pela cidade em suas máquinas de muitos cavalos, com películas escuras, ar condicionado ligado, ambiente artificial (ou digital) que os protege do calor reinante na realidade para a transição entre o topo dos prédios e seus escritórios, gabinetes e consultórios, tornando-se ilhas, abstraindo o oceano humano a ir e vir nas vagas violentas. Ai de ti, Belém: de tua mediocridade, do teu eu-mínimo, de tua arrogância, de tua insensatez.
A cidade que cresce não ecoa vida. Parece que, nela, só a futilidade tem eco, ou os itens de uma agenda de ilusões e de egoísmos, que nega sua topografia e desdenha a sua história. Belém quer ser grande sem ter grandeza, quer ser líder sem criar liderança, quer aceitação sem demonstração. Não adianta propor-lhe as questões mais relevantes, de importância crucial: ela só quer ganhar dinheiro, fazer fama e deitar na cama (não por coincidência, o colchão, fabricado localmente, é o produto que se tornou mais evidente na praça).
As causas públicas foram riscadas do caderninho. As anomalias e anomias foram segregadas. Os subúrbios se tornaram depósitos de excluídos – pessoas e temas – que fluem por canais subterrâneos e clandestinos, à distância do beautiful people. Mas de vez em quando há colisões e ameaças de acidentes isolados se transformarem em crise. A proteção é mais ilusória do que real quando a pobreza e a criminalidade assumem a dimensão de tragédia. O primeiro assalto na história do Lago Azul, o primeiro condomínio fechado da metrópole, é um indicador, agravado pela postura exclusivista de quem sequer aceita contribuir para sua própria segurança e a condominial. Belém, que servia de parâmetro superior na comparação com Calcutá, hoje está passando para o patamar inferior. Lá, como aqui, as autênticas castas julgam que podem passar um impermeável sobre a miséria e colocá-la no refrigerador para congelar.
A demanda não é só na área diretamente de influência. O comando de Belém sobre o Estado é cada vez mais frágil. A continuar assim, a perda de território será inevitável – e mais breve do que parece. Que necessidade positiva o Oeste e Carajás têm da capital? Qual a serventia de Belém para eles, que só a vêem como causa de estorvos e problemas? Seria diferente se a capital lhes apresentasse um olhar reflexivo, compreensivo, de entendimento. Mas a capital investe pouco na inteligência aplicada a esse seu imenso e conturbado território. Mesmo suas elites intelectuais estão tratando é de se “arranjar”: num emprego, num cabide do poder, numa bolsa remunerativa, numa ONG de ocasião para receber verba oficial. Já não se expõem, já não freqüentam a praça pública. Querem currículo, títulos, excelências, unanimidades, sucesso, brilho.
Ai de ti, Belém do Pará: ainda há tempo de escapar da maldição que o poeta-cronista lançou sobre Copacabana. Mas não muito.

http://www.youtube.com/watch?v=rWET_Fk53CE